Raul Rossi*
O utilidade do estudo hemodinâmico na investigação das cardiopatias
congênitas é reconhecida desde os estudos de Cournand, 1941 e Richards, 1945 e
recebeu enormes contribuições técnicas por Rodriguez-Alvarez, 1953 e Keith,
1950.
A utilização desta abordagem para o tratamento de doenças estruturais do
coração surgiu em 1966 quando William Rashkind introduziu a septostomia com
balão no tratamento paliativo da transposição de grandes vasos. A despeito da
enorme eficácia do método e de seu impacto nos desfechos após o tratamento
desses neonatos, pouco foi feito nas duas décadas seguintes para ampliar a
população de pacientes beneficiada pelas técnicas não cirúrgicas.
À partir do final da década de oitenta, no entanto, as inovações no
tratamento intervencionista das cardiopatias congênitas foram constantes e
modificaram radicalmente o modo de tratar as crianças portadoras dessas
doenças.
O texto que segue irá descrever as principais indicações e resultados
das técnicas intervencionistas mais comumente utilizadas em crianças e
adolescente portadores de doenças estruturais do coração.
Procedimentos
com Balão
Valvoplastia
Pulmonar com balão
Este talvez seja o melhor exemplo da utilidade desta modalidade de
tratamento. Desenvolvida por Jean Kan em 1982 e inspirada na metodologia
utilizada por Andreas Gruntzig na angioplastia coronária. Esta técnica pode ser
utilizada na grande maioria dos pacientes, independentemente se sua idade e com
resultados semelhantes.
A técnica é simples, reprodutível
e seus resultados imediatos são superiores aos obtidos pela cirurgia.
Seus efeitos são duradouros e a necessidade de nova intervenção, em 20 anos, é
menor do que 12%.
Valvoplastia
Aórtica com balão
Utilizada em todas as faixas etárias, embora com acesso variável, p.ex. a
abordagem através da artéria Carótida interna direita é preferida para os
recém-nascidos. A técnica também pode sofrer
modificações de acordo com a faixa etária do paciente – redução da mobilidade
do balão pode ser obtida com uso de adenosina ou através de “overdrive
suppresion” com marca-passos.
Tem como objetivo principal retardar a cirurgia para troca valvar até a
época em que valva compatível com o tamanho de adulto possa ser utilizada.
Sua
complicação mais frequente é o desenvolvimento de insuficiência valvar a qual,
cedo ou tarde, demandará o implante de valva artificial.
Mais modernamente, pode ser utilizada antes do implante percutâneo de
valva aórtica em adultos.
Angioplastia
de Ramos Pulmonares
Também foi desenvolvida
na década de oitenta, podendo ser utilizada em único ou múltiplos locais. Tem
pequena eficácia a longo prazo a qual pode ser melhorada com uso de balões de
alta pressão ou “cutting balloons”.
Pode ser a única opção crianças de baixo peso, em artérias pulmonares
distais e tem a vantagem de permitir a remodelação do leito pulmonar.
Atualmente é técnica complementar ao implante de stents.
Angioplastia
Aórtica
Esta técnica também foi introduzida no final dos anos oitenta e sofreu
com a controvérsia ocasionada pelo frequente (6%) desenvolvimento de aneurismas
na área dilatada e causados pela dissecção local da aorta. Embora não existam
evidências de efeitos adversos tardios de sua presença, tal complicação mereceu
atenção e acelerou a utilização de stents
em crianças menores.
Atualmente, é usada em situações de anatomia favorável (lesões
localizadas e não críticas, especialmente quando há evidências de obstrução
tipo membrana) e em crianças com peso abaixo de 25 kg.
Nestas indicações, seus resultados podem ser excepcionalmente bons e
duradouros.
Implante
de stents
Stents são
estruturas metálicas do tipo malha, em forma tubular e que podem ser expandidos
no local desejado através de balões ou serem auto-expansíveis.
Os stents mais utilizados em pediatria
são os montados manualmente em balões e são comumente feitos de aço inox,
cromo-cobalto ou da liga platina-irídio.
Tem diversas formas e, sempre que utilizados, deve-se ter em mente que
devem ser capazes de expansão até o diâmetro necessário na idade adulta.
Os stents ganharam inúmeras
indicações, principalmente em procedimentos de resgate no pós-operatórios de
plastia de ramos pulmonares ou em neonatos ou lactentes pequenos sob situação
de risco de vida, quando se usam stents
pré-montados e de pequeno diâmetro que necessariamente serão ampliados
cirurgicamente, no futuro.
Outra indicação de implante de stents
é na coarctação aórtica onde, na maioria das situações, substitui a cirurgia
com vantagens. Mais recentemente tem sido dada a preferência para a utilização
de stents recobertos por membrana de
politetrafluoroetileno (PTFE). Estes permitem maior segurança ao paciente pois,
na eventualidade de rotura aórtica, podem tamponar a área de dissecção sem
necessidade de cirurgia. Indicações menos comuns são: implante em canal
arterial em neonatos com atresia pulmonar para evitar a necessidade de shunt
cirúrgico e implante de stent em defeito restritivos do septo Interatrial,
evitando também cirurgias com extra-corpórea em bebês com obstrução da via de
entrada do ventrículo esquerdo.
O desenvolvimento científico atual com o apoio da indústria chegou até
os stents bioabsorvíveis, em testes
há vários anos para implantes coronarianos e que futuramente, quando utilizados
em crianças, terão a enorme vantagem de
permitir o crescimento eventual do vaso após a degradação do material
implantado.
Uso
de Radiofrequência
O uso de cateteres de radiofrequência, especialmente desenhados para
crianças, permitiu a expansão de suas indicações.
Atualmente, a
maioria dos neonatos com atresia pulmonar podem ser definitivamente tratados
com balão após perfuração da valva. Outras indicações são: perfuração do septo
Interatrial para acesso ao átrio esquerdo ou perfuração de segmento atrésico da
aorta descendente.
Procedimentos
de Oclusão
Oclusão
percutânea de Canal Arterial
Esta técnica que utiliza dispositivos de várias formas e tamanhos e
relativamente simples e permite o fechamento de canais arteriais em crianças
maiores do que 4kg de peso. Os canais arteriais menores do que 2 mm de diâmetro
são fácil e eficazmente obstruídos por molas de liberação controlada que, além
da quantidade pequena de metal que apresentam, twm muito baixo custo financeiro.
A técnica tem curva de aprendizado pouco íngreme e consiste em cruzar o
canal arterial, retrógrada ou anterogradamente e, através de cateter liberar o
dispositivo escolhido dentro do ducto.
Canais
arteriais de maior diâmetro necessitam de próteses do tipo plug para sua oclusão eficaz. Tais dispositivos de utilização simples,
tem como inconveniente o risco de obstrução da aorta ou do ramo pulmonar
esquerdo, quando são utilizados dispositivos de grande diâmetro em crianças de
baixo peso.
Dispositivos para neonatos de muito baixo peso estão sendo atualmente
utilizados em estudo clínico e prometem a estender a possibilidade de
tratamento percutâneo para 100% das crianças.
Oclusão percutânea
de Comunicação Interatrial
A grande maioria (90%) das comunicações interatriais do tipo Ostium
Secundum podem ser tratada através do cateterismo. O procedimento é feito com
anestesia geral quando o implante é guiado por ecocardiograma transesofágico ou
com sedação e anestesia local, quando se utiliza o ecocardiograma
intra-cardíaco.
Após adequado estudo da complexa anatomia do septo Interatrial, pode-se
medir o defeito através de balão de alta complacência e que deve ser inflado
até que cesse o fluxo através do defeito. Escolhe-se, então uma prótese de
diâmetro igual ao medido com o balão e, então, é realizado o implante. As
dificuldades de posicionamento do dispositivo dependem de seu diâmetro e forma
do defeito, presença de outros defeitos e complexidade da anatomia septal.
Embora possível, deve-se evitar implante de dispositivos de grande diâmetro em
crianças muito pequenas. A taxa de sucesso deste procedimento é, claramente,
operador-dependente.
Existem diversos tipos de dispositivos para este fim, devendo ser
escolhido o que mais se adapte a anatomia do paciente sendo também muito
importante que o intervencionista tenha experiência com sua utilização.
Oclusão
percutânea de Comunicação Interventricular
A técnica de oclusão de defeitos no septo interventricular é complexa do
ponto de vista técnico e esta complexidade de estende a suas indicações.
Nos dias de hoje, a cirurgia é a técnica de escolha para lactentes com
defeitos grandes e com peso abaixo de 5.5 kg.
Os dispositivos existentes, embora com estrutura delicada, trafegam em
cateteres calibrosos e rígidos, os quais podem reduzir o débito cardíaco em
lactentes com insuficiência cardíaca.
Os pacientes restantes tem defeitos menores e apresentam superfície
corporal adequada para a técnica. No entanto, as indicações para fechamento de
CIV nestes pacientes são pouco frequentes: pós-endocardite, sobrecarga
volumétrica do ventrículo esquerdo e Qp/QS > 1.5.
Outro aspecto que merece consideração é o desenvolvimento de distúrbio
avançado da condução AV que pode levar a necessidade de implante de
marca-passos definitivo. A taxa
reconhecida desta complicação é de 3-4%, existindo o risco de desenvolvimento
tardio do BAVT, assim como acontece na cirurgia.
Implante
de Valva Pulmonar
Certamente, a novidade mais excitante nesta área é a possibilidade de
implante percutâneo de valva pulmonar.
Ainda passível apenas de utilização em pacientes submetidos a cirurgia
para interposição de condutos entre o ventrículo direito e a artéria pulmonar,
esta opção terapêutica comprovadamente reduz o número de cirurgias neste grupo
de pacientes. Existem dois dispositivos no mercado, um (Melody™), desenvolvido
especificamente para este fim e outro (Valva Edwards-Sapien™), trazido da experiência
do tratamento da valva aórtica.
Ambos dispositivos, prestes a serem autorizados para uso no país, são a
mais nova fronteira de desenvolvimento nesta área e já apresentam resultados
muito sólidos após anos de uso no exterior.
O cateterismo intervencionista mudou definitivamente e para melhor, o
cenário do tratamento das cardiopatias congênitas.
A grande maioria das crianças pode, nos dias de hoje ter paliação
inicial ou tratamento definitivo através das técnicas percutâneas.
A redução na morbidade cumulativa destes paciente, visto a maioria dos
pacientes com cardiopatias complexas necessitar vários procedimentos durante a
vida, bem como sua reduzidíssima mortalidade, além do impacto psicológico
positivo sobre esta população, tornaram esta técnica como atrativa tantos aos
pacientes como a suas famílias e, também, a seus cardiologistas.
* Chefe do Serviço de
Cardiologia Intervencionista em Cardiopatias Congênitas do Instituto de
Cardiologia do RS.