segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Hemoglobinopatias, anemia falciforme, talassemias

Artigo gentilmente cedido pelos Dr. Eurico Camargo Neto e Dra. Fabiana Amorin do CTN Diagnósticos.

CONCEITO: As hemoglobinopatias consistem em um conjunto de alterações na estrutura ou na síntese da hemoglobina, resultantes de defeitos genéticos, condicionando um aumento da morbidade em condições ambientais normais. De uma forma geral, as hemoglobinopatias são classificadas em dois grandes grupos: no primeiro, as alterações resultam de uma anormalidade estrutural em uma das cadeias da globina, como no caso da doença falciforme; o segundo grupo, que inclui as talassemias, é constituído por redução na velocidade de produção de cadeias de globina ou incapacidade genética de produzir a cadeia globínica. A hemoglobina (Hb) é constituída de 2 cadeias a (alfa) e de 2 cadeias b (beta).

IDADE DE APARECIMENTO DOS SINTOMAS: Variável, mas a maioria dos pacientes afetados costuma apresentar os sintomas nos primeiros dois anos de vida. 

SINTOMAS CLÍNICOS:
1. Anemia Falciforme:
A anemia falciforme é o defeito mais frequente entre as hemoglobinopatias, sendo um distúrbio hemolítico intenso, caracterizado pela tendência das hemácias a adquirirem uma forma anormal (forma de "foice") sob condições de baixa tensão de oxigênio. Os pacientes afetados costumam apresentar anemia já na infância (níveis de hemoglobina de 6 a 10 g/dL), atraso de crescimento, esplenomegalia e infecções repetidas. As crises também ocorrem em pacientes maiores, e decorrem da obstrução vascular e de infartos dolorosos em vários tecidos, incluíndo ossos, músculos, baço e pulmões. Infarto recorrente no baço leva à diminuição da função imune. A hipofunção esplênica é uma causa da suscetibilidade aumentada a certas infecções bacterianas, como a sépsis pneumocócica.
2. Talassemias
Os seres humanos apresentam quatro cópias do gene que codifica a cadeia alfa da hemoglobina; alterações em um único gene não produzem nenhuma manifestação clínica, enquanto que a deleção de todos os quatro genes produz um natimorto com uma síndrome de hidropsia fetal.
Para a cadeia beta da hemoglobina, apenas duas cópias do gene estão disponíveis. O heterozigoto que apresenta apenas um gene mutado geralmente apresenta apenas anemia leve. No entanto, o homozigoto que apresenta as duas cópias alteradas apresenta sintomas no início da infância, incluindo hepatoesplenomegalia crescente, icterícia discreta e alterações ósseas acentuadas devido a uma cavidade medular ampliada pela hiperplasia eritróide maciça. Isso resulta em 'facies típico', com proeminência da testa, queixo e maxilar superior. O crescimento e o desenvolvimento físicos podem ser prejudicados. O adelgaçamento do córtex ósseo pode resultar em fraturas. A concentração de hemoglobina cai a níveis muito baixos nos pacientes que não recebem transfusões de sangue. 

ETIOLOGIA:
1. Anemia Falciforme
A anemia falciforme é um termo utilizado para determinar um grupo de alterações genéticas caracterizadas pelo predomínio de HbS que difere da HbA ("A" de "adulto") normal pela substituição de ácido glutâmico por valina na sexta posição da cadeia beta. O traço falciforme caracteriza o portador assintomático. Assim, em 40 a 60% dos casos, o portador de HbAS não padece de doença e não apresenta alterações hematológicas. A denominação "HbS" deriva da palavra em inglês (sickle = foice) que é usada para identificar a doença devido à forma adquirida pelos glóbulos vermelhos. O paciente afetado, com anemia falciforme apresenta uma hemoglobina codificada como HbSS.
2. Talassemias
As talassemias se constituem em enfermidades moleculares, genéticas, atingindo a molécula hemoglobínica, caracterizada por uma redução ou incapacidade de produção de uma ou mais cadeias globínicas, e é transmitida como um caráter autossômico dominante na forma heterozigota, ou autossômica recessiva na forma homozigota (efeito de dose). 

PATOGÊNESE:
1. Anemia Falciforme
A HbS apresenta um aspecto de meia lua ou foice, daí o termo "falciforme". A HbS é menos deformável do que a Hb normal e, à diferença dos eritrócitos normais, não se compimem em fila única, através dos capilares, obstruíndo assim o fluxo sangüíneo e causando hipoxia local. O traço falciforme pode estar associado ocasionalmente a condições clínicas graves, que incluem: hipotermia, hematúria, aumento do risco às infecções do trato urinário durante a gravidez e retardo constitucional da puberdade. Os portadores de HbAS, quando iniciam quadro de hipóxia, raramente desenvolvem sintomas relacionados à vaso-oclusão.
2. Talassemias
São definidos dois principais grupos: as alfa-talassemias, nas quais a síntese de cadeias alfa é reduzida ou ausente; e as beta-talassemias, nas quais a síntese de cadeias beta é comprometida. Na ausência de uma cadeia complementar com a qual possam formar um tetrâmero, as cadeias normais em excesso precipitam na célula, lesando a membrana e provocando destruição prematura da hemácia. Desta forma, ocorre um desbalanço na produção de globina, eritropoiese ineficaz, hemólise e vários graus de anemia. 

DIAGNÓSTICO: O diagnóstico da anemia falciforme, como o das demais hemoglobinopatias, se faz através da caracterização laboratorial da presença de hemoglobinas anormais. Embora a morfologia eritrocitária e testes qualitativos (falcização e solubilidade) possam ser úteis, o diagnóstico é geralmente feito pela eletroforese de hemoglobina.
O diagnóstico das talassemias alfa e beta apresentam suas limitações, sendo os mais empregados os seguintes: índice eritrocitário (eritrócitos, Hb, VSG, HCM, VCM e CHCM), resistência osmótica eritrocitária em solução de NaCl a 0,36%, análises qualitativas e quantitativas da HbA2 e Hb Fetal, dosagem de ferro sérico e de ferritina, análise dos familiares, estudo da síntese de globina e determinação da relação alfa/beta, análise de hemoglobinas por técnicas muito específicas e análise do DNA.
Atualmente, o teste do pezinho, realizado em gota de sangue coletado em papel filtro, oferece a detecção de hemoglobinopatias, através da técnica de focalização isoelétrica e/ou HPLC, a qual permite identificar diferentes hemoglobinas. Caso esteja presente alguma hemoglobina anormal, é solicitado nova coleta em papel filtro do bebê e 3 mL de sangue total com EDTA do pai e da mãe, para confirmação do resultado. 

INCIDÊNCIA: Um em cada 400 a 1.000 nascimentos em indivíduos negros americanos. No Brasil, a alta miscigenação difundiu a doença em praticamente todos os grupos populacionais.
Em 22.097 amostras analisadas pelo CTN, 360 alterações foram identificadas, 1% do total (221) com suspeita de doença falciforme (HbFS). Outras variantes menos comuns foram detectadas: Hb Bart´s ou H, HbG-Philadelphia e HbLepore. Dados do CTN, com amostras recebidas até dezembro de 2009, indicam 1 caso positivo de anemia para cada 14.943 nascidos. Em outras hemoglobinopatias a prevalência é de 1/60.

PREVENÇÃO: Até hoje, não existem métodos eficazes para evitar a falcização; no entanto, medidas simples podem reduzir o número de crises - manter os braços e pernas aquecidos durante a noite; beber grandes quantidades de líquidos para evitar desidratação, que se desenvlove rapidamente por causa de um defeito de concentração renal que é secundário à falcização nos capilares da medular renal. 

DETECÇÃO DE PORTADORES: Na maioria dos casos, os portadores podem ser identificados por técnicas de eletroforese, embora um diagnóstico mais preciso hoje seja obtido com o emprego da biologia molecular. 

DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL: Pode-se atualmente fazer um diagnóstico de anemia falciforme antes do nascimento pela análise molecular em material fetal (vilo corial, líquido amniótico) ou pela eletroforese de hemoglobina em sangue do cordão umbilical. 

TRATAMENTO: Embora a cura das das hemoglobinopatias dependa do desenvolvimento de técnicas de terapia gênica, algumas medidas já disponíveis contribuem para melhorar a sobrevida e a qualidade de vida dos afetados.
1. Anemia Falciforme
O tratamento atualmente aceito para anemia falciforme é primariamente de apoio e conservador. As principais complicações clínicas são tratadas com as seguintes medidas profiláticas: antibióticos, suplementação de ácido fólico, suplementação hormonal (crescimento), nutrientes e vitaminas, analgésicos adequados e hidratação, oxigenação (hipoxemia arterial), e hipertransfusão.
A hidroxiuréia (HU) é, atualmente, a droga mais estudada para o tratamento das hemoglobinopatias. A HU, agente mielossupressor, previne crises vaso-oclusivas em adultos com anemia falciforme.
É possível, curas em pacientes com anemia falciforme por meio de transplante de medula óssea alogênico, utilizando como doador um irmão que não seja afetado pela doença e seja submetido a exames específicos de histocompatibilidade.
2. Talassemias
Os pacientes talassêmicos podem ser tratados através da terapia convencional que consiste basicamente em regime crônico de transfusões, terapia quelante intensiva, e esplenectomia, na tentativa de reduzir as necessidades de transfusão. Por vezes se institui na infância uma terapêutica de quelação de ferro com infusões subcutâneas de desferrioxiamina durante 8 a 12 horas, 5 a 6 noites por semana numa tentativa de sustar a lesão miocárdica pela sobrecarga de ferro. 

PROGNÓSTICO: O efeito das hemoglobinopatias sobre a duração da vida é variável, e a mortalidade pode não ser elevada se o paciente dispuser de boa assistência médica. A infecção é a principal causa de morte em todas as idades. 

REFERÊNCIAS:
1. Bunn, H. F.; Foget, B. G. Hemoglobin: Molecular, Genetic, and Clinical Aspects. Philadelphia, WB Saunders, 1986.
2. Oliveri, N. F. The Beta-Talassemiaaas. The New England Journal of Medicine, 341(2): 99-109, 1999.
3. Rapaport, S. I. Introdução a Hematologia. 2ª ed., São Paulo: Livraria Rocca, 1990.
4. Steinberg, M. H. Managment of Sickle Cell Disease. The New England Journal of Medicine, 340(13): 1021-1030, 1999.
5. Weatherall, D. J.; Clegg, J. B.; Higgs, D. R.; Wood, W. G. The Hemoglobinophaties. In: Scriver, C. R.; Beaudet, A. L.; Sly, W. S.; Vale, D., eds. The Metabolic and Molecular Bases of Inherited Diseases, McGraw Hill, New York, 7th ed., 1995.

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