segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Hemoglobinopatias, anemia falciforme, talassemias

Artigo gentilmente cedido pelos Dr. Eurico Camargo Neto e Dra. Fabiana Amorin do CTN Diagnósticos.

CONCEITO: As hemoglobinopatias consistem em um conjunto de alterações na estrutura ou na síntese da hemoglobina, resultantes de defeitos genéticos, condicionando um aumento da morbidade em condições ambientais normais. De uma forma geral, as hemoglobinopatias são classificadas em dois grandes grupos: no primeiro, as alterações resultam de uma anormalidade estrutural em uma das cadeias da globina, como no caso da doença falciforme; o segundo grupo, que inclui as talassemias, é constituído por redução na velocidade de produção de cadeias de globina ou incapacidade genética de produzir a cadeia globínica. A hemoglobina (Hb) é constituída de 2 cadeias a (alfa) e de 2 cadeias b (beta).

IDADE DE APARECIMENTO DOS SINTOMAS: Variável, mas a maioria dos pacientes afetados costuma apresentar os sintomas nos primeiros dois anos de vida. 

SINTOMAS CLÍNICOS:
1. Anemia Falciforme:
A anemia falciforme é o defeito mais frequente entre as hemoglobinopatias, sendo um distúrbio hemolítico intenso, caracterizado pela tendência das hemácias a adquirirem uma forma anormal (forma de "foice") sob condições de baixa tensão de oxigênio. Os pacientes afetados costumam apresentar anemia já na infância (níveis de hemoglobina de 6 a 10 g/dL), atraso de crescimento, esplenomegalia e infecções repetidas. As crises também ocorrem em pacientes maiores, e decorrem da obstrução vascular e de infartos dolorosos em vários tecidos, incluíndo ossos, músculos, baço e pulmões. Infarto recorrente no baço leva à diminuição da função imune. A hipofunção esplênica é uma causa da suscetibilidade aumentada a certas infecções bacterianas, como a sépsis pneumocócica.
2. Talassemias
Os seres humanos apresentam quatro cópias do gene que codifica a cadeia alfa da hemoglobina; alterações em um único gene não produzem nenhuma manifestação clínica, enquanto que a deleção de todos os quatro genes produz um natimorto com uma síndrome de hidropsia fetal.
Para a cadeia beta da hemoglobina, apenas duas cópias do gene estão disponíveis. O heterozigoto que apresenta apenas um gene mutado geralmente apresenta apenas anemia leve. No entanto, o homozigoto que apresenta as duas cópias alteradas apresenta sintomas no início da infância, incluindo hepatoesplenomegalia crescente, icterícia discreta e alterações ósseas acentuadas devido a uma cavidade medular ampliada pela hiperplasia eritróide maciça. Isso resulta em 'facies típico', com proeminência da testa, queixo e maxilar superior. O crescimento e o desenvolvimento físicos podem ser prejudicados. O adelgaçamento do córtex ósseo pode resultar em fraturas. A concentração de hemoglobina cai a níveis muito baixos nos pacientes que não recebem transfusões de sangue. 

ETIOLOGIA:
1. Anemia Falciforme
A anemia falciforme é um termo utilizado para determinar um grupo de alterações genéticas caracterizadas pelo predomínio de HbS que difere da HbA ("A" de "adulto") normal pela substituição de ácido glutâmico por valina na sexta posição da cadeia beta. O traço falciforme caracteriza o portador assintomático. Assim, em 40 a 60% dos casos, o portador de HbAS não padece de doença e não apresenta alterações hematológicas. A denominação "HbS" deriva da palavra em inglês (sickle = foice) que é usada para identificar a doença devido à forma adquirida pelos glóbulos vermelhos. O paciente afetado, com anemia falciforme apresenta uma hemoglobina codificada como HbSS.
2. Talassemias
As talassemias se constituem em enfermidades moleculares, genéticas, atingindo a molécula hemoglobínica, caracterizada por uma redução ou incapacidade de produção de uma ou mais cadeias globínicas, e é transmitida como um caráter autossômico dominante na forma heterozigota, ou autossômica recessiva na forma homozigota (efeito de dose). 

PATOGÊNESE:
1. Anemia Falciforme
A HbS apresenta um aspecto de meia lua ou foice, daí o termo "falciforme". A HbS é menos deformável do que a Hb normal e, à diferença dos eritrócitos normais, não se compimem em fila única, através dos capilares, obstruíndo assim o fluxo sangüíneo e causando hipoxia local. O traço falciforme pode estar associado ocasionalmente a condições clínicas graves, que incluem: hipotermia, hematúria, aumento do risco às infecções do trato urinário durante a gravidez e retardo constitucional da puberdade. Os portadores de HbAS, quando iniciam quadro de hipóxia, raramente desenvolvem sintomas relacionados à vaso-oclusão.
2. Talassemias
São definidos dois principais grupos: as alfa-talassemias, nas quais a síntese de cadeias alfa é reduzida ou ausente; e as beta-talassemias, nas quais a síntese de cadeias beta é comprometida. Na ausência de uma cadeia complementar com a qual possam formar um tetrâmero, as cadeias normais em excesso precipitam na célula, lesando a membrana e provocando destruição prematura da hemácia. Desta forma, ocorre um desbalanço na produção de globina, eritropoiese ineficaz, hemólise e vários graus de anemia. 

DIAGNÓSTICO: O diagnóstico da anemia falciforme, como o das demais hemoglobinopatias, se faz através da caracterização laboratorial da presença de hemoglobinas anormais. Embora a morfologia eritrocitária e testes qualitativos (falcização e solubilidade) possam ser úteis, o diagnóstico é geralmente feito pela eletroforese de hemoglobina.
O diagnóstico das talassemias alfa e beta apresentam suas limitações, sendo os mais empregados os seguintes: índice eritrocitário (eritrócitos, Hb, VSG, HCM, VCM e CHCM), resistência osmótica eritrocitária em solução de NaCl a 0,36%, análises qualitativas e quantitativas da HbA2 e Hb Fetal, dosagem de ferro sérico e de ferritina, análise dos familiares, estudo da síntese de globina e determinação da relação alfa/beta, análise de hemoglobinas por técnicas muito específicas e análise do DNA.
Atualmente, o teste do pezinho, realizado em gota de sangue coletado em papel filtro, oferece a detecção de hemoglobinopatias, através da técnica de focalização isoelétrica e/ou HPLC, a qual permite identificar diferentes hemoglobinas. Caso esteja presente alguma hemoglobina anormal, é solicitado nova coleta em papel filtro do bebê e 3 mL de sangue total com EDTA do pai e da mãe, para confirmação do resultado. 

INCIDÊNCIA: Um em cada 400 a 1.000 nascimentos em indivíduos negros americanos. No Brasil, a alta miscigenação difundiu a doença em praticamente todos os grupos populacionais.
Em 22.097 amostras analisadas pelo CTN, 360 alterações foram identificadas, 1% do total (221) com suspeita de doença falciforme (HbFS). Outras variantes menos comuns foram detectadas: Hb Bart´s ou H, HbG-Philadelphia e HbLepore. Dados do CTN, com amostras recebidas até dezembro de 2009, indicam 1 caso positivo de anemia para cada 14.943 nascidos. Em outras hemoglobinopatias a prevalência é de 1/60.

PREVENÇÃO: Até hoje, não existem métodos eficazes para evitar a falcização; no entanto, medidas simples podem reduzir o número de crises - manter os braços e pernas aquecidos durante a noite; beber grandes quantidades de líquidos para evitar desidratação, que se desenvlove rapidamente por causa de um defeito de concentração renal que é secundário à falcização nos capilares da medular renal. 

DETECÇÃO DE PORTADORES: Na maioria dos casos, os portadores podem ser identificados por técnicas de eletroforese, embora um diagnóstico mais preciso hoje seja obtido com o emprego da biologia molecular. 

DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL: Pode-se atualmente fazer um diagnóstico de anemia falciforme antes do nascimento pela análise molecular em material fetal (vilo corial, líquido amniótico) ou pela eletroforese de hemoglobina em sangue do cordão umbilical. 

TRATAMENTO: Embora a cura das das hemoglobinopatias dependa do desenvolvimento de técnicas de terapia gênica, algumas medidas já disponíveis contribuem para melhorar a sobrevida e a qualidade de vida dos afetados.
1. Anemia Falciforme
O tratamento atualmente aceito para anemia falciforme é primariamente de apoio e conservador. As principais complicações clínicas são tratadas com as seguintes medidas profiláticas: antibióticos, suplementação de ácido fólico, suplementação hormonal (crescimento), nutrientes e vitaminas, analgésicos adequados e hidratação, oxigenação (hipoxemia arterial), e hipertransfusão.
A hidroxiuréia (HU) é, atualmente, a droga mais estudada para o tratamento das hemoglobinopatias. A HU, agente mielossupressor, previne crises vaso-oclusivas em adultos com anemia falciforme.
É possível, curas em pacientes com anemia falciforme por meio de transplante de medula óssea alogênico, utilizando como doador um irmão que não seja afetado pela doença e seja submetido a exames específicos de histocompatibilidade.
2. Talassemias
Os pacientes talassêmicos podem ser tratados através da terapia convencional que consiste basicamente em regime crônico de transfusões, terapia quelante intensiva, e esplenectomia, na tentativa de reduzir as necessidades de transfusão. Por vezes se institui na infância uma terapêutica de quelação de ferro com infusões subcutâneas de desferrioxiamina durante 8 a 12 horas, 5 a 6 noites por semana numa tentativa de sustar a lesão miocárdica pela sobrecarga de ferro. 

PROGNÓSTICO: O efeito das hemoglobinopatias sobre a duração da vida é variável, e a mortalidade pode não ser elevada se o paciente dispuser de boa assistência médica. A infecção é a principal causa de morte em todas as idades. 

REFERÊNCIAS:
1. Bunn, H. F.; Foget, B. G. Hemoglobin: Molecular, Genetic, and Clinical Aspects. Philadelphia, WB Saunders, 1986.
2. Oliveri, N. F. The Beta-Talassemiaaas. The New England Journal of Medicine, 341(2): 99-109, 1999.
3. Rapaport, S. I. Introdução a Hematologia. 2ª ed., São Paulo: Livraria Rocca, 1990.
4. Steinberg, M. H. Managment of Sickle Cell Disease. The New England Journal of Medicine, 340(13): 1021-1030, 1999.
5. Weatherall, D. J.; Clegg, J. B.; Higgs, D. R.; Wood, W. G. The Hemoglobinophaties. In: Scriver, C. R.; Beaudet, A. L.; Sly, W. S.; Vale, D., eds. The Metabolic and Molecular Bases of Inherited Diseases, McGraw Hill, New York, 7th ed., 1995.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Constipação intestinal

A constipação é uma condição que apresenta alta prevalência na população pediátrica. Em consultórios de Gastroenterologia Pediátrica é uma das três queixas mais frequentes, juntamente com a dor abdominal e o refluxo gastroesofágico. A constipação intestinal pode alterar a qualidade de vida do paciente e de sua família e pode influenciar no comportamento do paciente e na dinâmica familiar. Definições A constipação intestinal é caracterizada pela presença de eliminação de fezes duras, em cíbalos, seixos ou cilíndricas com rachaduras; dificuldade ou dor para evacuar; eliminação de fezes calibrosas, que entopem o vaso sanitário; e/ou frequência de evacuações inferior a 3 vezes por semana (exceto em recém-nascidos e lactentes em aleitamento natural exclusivo).

Os critérios de Roma III estabelecem que o diagnóstico da constipação funcional nos recém-nascidos, lactentes e pré-escolares (crianças até 4 anos), baseia-se na presença de dois ou mais dos aspectos descritos a seguir, presentes por pelo menos 1 mês antes do diagnóstico:
-Duas ou menos evacuações por semana.
-Pelo menos um episódio semanal de incontinência fecal, após a aquisição do controle do esfíncter anal.
-História de retenção fecal.
-Relatos de evacuações dolorosas ou de dificuldade para evacuar.
-Presença de grande quantidade de fezes no reto.
-Eliminação de fezes de grande volume, que podem obstruir o vaso sanitário.

Nos pré-escolares, escolares e adolescentes (crianças maiores de 4 anos), dois ou mais dos critérios descritos, devem estar presentes por pelo menos uma vez por semana, por um mínimo de 2 meses.
Em relação aos distúrbios da defecação, além da constipação funcional, devem ser considerados a incontinência fecal por retenção (“soiling” ou escape fecal), a encoprese e a incontinência fecal relacionada às doenças orgânicas. Existe uma tendência atual de se chamar tudo de encoprese, quando há perda de fezes.

A incontinência fecal por retenção, muitas vezes denominada escape fecal ou “soiling”, ocorre naqueles pacientes com constipação e impactação (retenção) fecal e consiste na eliminação de fezes nas vestes, de modo involuntário. Deve-se enfatizar que o escape fecal é facilmente caracterizado após o quarto ano de vida, isto é, após a aquisição do controle do esfíncter anal. De modo diferente, a encoprese consiste no ato completo da defecação, mas em local e/ou momento inapropriado. Estes casos são, usualmente, secundários aos distúrbios psicológicos.

A incontinência fecal pode ser decorrente de causas orgânicas, como as disfunções neurológicas (meningomielocele) e as anomalias anorretais. Nestes casos, ocorre perda involuntária de fezes sólidas e/ou líquidas, pela incapacidade do paciente controlar a eliminação das fezes.

Nos lactentes, dois distúrbios são comumente confundidos com constipação intestinal: a disquesia e a pseudoconstipação do lactente

A disquesia, comum nos primeiros 6 meses de vida, consiste na eliminação de fezes de consistência normal, antecedida por episódios de esforços, gemidos e choro, por 10 a 20 minutos. Acredita-se que seja decorrente da incapacidade temporária de coordenar o aumento da pressão abdominal com o relaxamento do assoalho pélvico, no momento da evacuação. Este distúrbio da defecação desaparece em algumas semanas, coincidindo com o desenvolvimento do lactente.

A pseudoconstipação do lactente em aleitamento natural, consiste na evacuação de fezes macias, em frequência menor que 3 vezes por semana. 
 
Diagnóstico diferencial

O início precoce (< 03 meses de idade) ou durante aleitamento materno exclusivo, o comprometimento do estado nutricional e a presença de outros sinais e/ou sintomas, sugerem a possibilidade de causas orgânicas.
 No período neonatal, o diagnóstico diferencial deve ser feito com a doença de Hirschsprung, o íleo meconial, as atresias intestinais e as más formações anorretais. Além disso, o diagnóstico de alergia à proteína do leite de vaca deve ser considerado em lactentes que apresentam choro, irritabilidade, distensão abdominal, diarreia ou constipação, “failure to thrive”, vômitos e/ou recusa alimentar. Em crianças mais velhas, é importante a diferenciação entre a CICF e a doença de Hirschsprung de segmento ultracurto.


Tratamento
Nos pacientes com constipação leve e sem complicações associadas, recomenda-se modificações na dieta, corrigindo os erros alimentares, se presentes, e proporcionando uma alimentação saudável, com bom aporte de líquidos e dos alimentos ricos em fibras. Nos lactentes em uso de alimentação artificial deve-se avaliar a possibilidade de constipação decorrente de alergia alimentar, mais frequentemente à proteína do leite de vaca, e a necessidade de teste terapêutico com dietas hipoalergênicas.

Quanto aos hábitos de vida, deve-se estimular as atividades físicas, não adiar as evacuações e recondicionar o hábito intestinal. Neste contexto, as crianças são estimuladas a permanecerem sentadas no vaso sanitário, com apoio fixo para os pés, após as principais refeições, aproveitando o reflexo gastrocólico. Os pacientes com CICF de maior gravidade ou associada a complicações, necessitam tratamento farmacológico, além das orientações da dieta e dos hábitos de vida já descritos.

Quando existe fecaloma, megarreto e/ou escape fecal, o primeiro passo é promover a desimpactação, etapa essencial para o sucesso do tratamento. O esvaziamento retal e o colônico podem ser promovidos por via oral ou retal. Este último, por meio de enemas de soluções fosfatadas, sorbitol, glicerina ou vaselina, por cerca de dois a quatro dias. O uso de enemas aumenta o risco de traumas mecânicos à parede retal e de problemas emocionais. Além disso, os enemas fosfatados podem ocasionar episódios graves e letais de hiperfosfatemia e hipocalcemia, especialmente em nefropatas e nos pacientes com doença de Hirschsprung.

A desimpactação por via oral é uma tendência atual, por evitar manipulações dolorosas em pacientes que já apresentam medo de evacuar. Podem ser utilizadas doses elevadas de óleo mineral e polietilenoglicol. Vale enfatizar que o óleo mineral pode ocasionar pneumonia lipoídica, se aspirado, não sendo recomendado em crianças menores que dois anos, neuropatas e portadores de refluxo gastroesofágico.

O tratamento farmacológico de manutenção baseia-se no uso de laxantes, como o óleo mineral, o leite de magnésia, a lactulose e o polietilenoglicol.

Dos laxantes osmóticos, o hidróxido de magnésio pode ocasionar intoxicação em lactentes, caracterizada por hipermagnesemia, hipofosfatemia e hipocalcemia secundária. Este laxante não deve ser utilizado nos pacientes com insuficiência renal. A lactulose, um dissacarídeo sintético, é bem tolerado por longo prazo, mas pode desencadear flatulência e cólicas. Seu uso em doses elevadas pode provocar hipernatremia. O polietilenoglicol deve ser administrado, preferencialmente sem eletrólitos, pois a apresentação com eletrólitos pode provocar náuseas e vômitos, além de ter menor aceitação pelo paciente. O tratamento da constipação crônica funcional com escape fecal e/ou outras complicações é, em geral, por longo tempo, exigindo terapia de manutenção por cerca de 6 a 24 meses.

Cristina Helena Targa Ferreira

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Alimentação no 1 ano de vida

 A prática de uma alimentação saudável é fundamental para o crescimento adequado da criança, em termos de peso e estatura, desenvolvimento intelectual e prevenção de doenças do adulto.

A alimentação infantil no primeiro ano de vida consiste em aleitamento materno exclusivo até os 6 meses. Dos 6 meses a um ano de idade inicia-se com a alimentação complementar (AC) e se mantém o leite materno ou a fórmula infantil. Não se deve oferecer leite de vaca, em pó ou em caixinha, para a criança no primeiro ano de vida. O uso de leite de vaca nesta faixa etária aumenta o risco da criança desenvolver alergia, anemia e mesmo obesidade quando adulto.

O início da AC é uma fase de transição e de elevado risco para a criança, tanto pela administração de alimentos inadequados, quanto pela possibilidade de contaminação, favorecendo a ocorrência de doença diarréica. Outro risco é a oferta inadequada de vitaminas, ferro e zinco. Os alimentos devem sofrer alteração na consistência para que se adequarem à maturação da criança, sendo oferecidos em papa, depois em pedaços pequenos e depois dos dez meses de idade na mesma consistência da alimentação da família. Para início da AC é essencial que a criança esteja firmando bem o pescoço, pois somente assim terá um processo de deglutição adequado.

A introdução de novos alimentos deverá ser gradativa, obedecendo-se os diferentes horários, apresentações e composição das refeições. A finalidade é avaliar a aceitação e a adaptação da criança ao novo alimento, quanto ao seu aspecto, odor, consistência, paladar,  temperatura e processo digestório. É importante salientar que esquemas alimentares não devem ser rígidos e uniformes para todos os casos.

Recomenda-se que os alimentos sejam oferecidos separadamente, para que a criança identifique novos sabores. A introdução alimentos potencialmente alergênicos, como ovo e peixe, pode ser realizada a partir do sexto mês de vida. As frutas devem ser oferecidas in natura na forma de papa, e pode ser ofertada qualquer fruta, prevalecendo aspectos regionais e as frutas da estação, que terão menos agrotóxicos e serão mais baratas. Preferencialmente não oferecer sucos.

O Ministério da Saúde e a Sociedade Brasileira de Pediatria elaboraram os “Dez Passos para a Alimentação saudável da criança até os 2 anos de idade. Em relação a eles é importante salientar a oferta de leite materno exclusivo até os 6 meses de idade, sem oferecer outros alimentos, chás ou água; evitar o consumo de enlatados, frituras, café, açúcar, balas, salgadinhos, refrigerantes e demais guloseimas; observar que os alimentos sejam adequadamente conservados e higienicamente manuseados durante o seu preparo e garantir condições adequadas de conservação e armazenamento; e oferecer alimentação adequada a crianças doentes e convalescentes, respeitando suas preferências.

É fundamental, que o pediatra avalie os hábitos alimentares familiares, para corrigir, se necessário, inadequações nutricionais.


Elza Daniel de Mello

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Coqueluche

Dra. Lucia Diehl da Silva e Dr. Benjamin Roitman

A coqueluche ou tosse comprida é uma doença infecciosa aguda, transmissível, de distribuição universal, causada pela Bordetella Pertussis, um bacilo G-, aeróbio.
A síndrome da tosse com estridor também pode ser causada pela B. parapertussis.
Começa com sintomas leves das vias respiratórias superiores - tosse seca, febre baixa, coriza, mal-estar (fase catarral) que evolui para paroxismos de tosse, às vezes graves, em geral com estridor inspiratório (guincho), seguido de vomito. Em lactentes pequenos, os casos são mais graves, com cianose. Os episódios aumentam em frequência e intensidade nas 2 primeiras semanas e depois diminuem paulatinamente. Nos intervalos de paroxismos o paciente passa bem. Segue-se a fase de convalescença onde os paroxismos de tosse desaparecem e dá lugar a tosse comum que podem persistir por mais 2 a 6 semanas.

A transmissão ocorre por contato intimo através secreção das vias respiratórias.
A transmissão é mais provável no estagio catarral, antes do inicio dos paroxismos.
O período de incubação é de 6 a 20 dias em geral.
Os sintomas duram cerca de 6 semanas:
Período catarral: duração de 1 a 2 semanas.
Período paroxístico: duração de 2 semanas.
Período convalescença: a partir da 4ª semana até os sintomas desaparecem.

Tratamento:
Os antimicrobianos administrados no período catarral podem melhorar a doença. Depois que aparecem os paroxismos, os antimicrobianos são recomendados primariamente para limitar a disseminação da doença.
As drogas de escolha são eritromicina por 14 dias ou azitromocina por 5 dias.

Medidas de Controle:
Creches: As crianças expostas, com a imunização incompleta devem ser observadas por 14 dias após o termino do contato e completar o esquema vacinal.
As crianças com coqueluche podem retornar 5 dias após inicio do tratamento com antibiótico.

Diagnóstico: O “padrão-ouro” é a cultura com material coletado de nasofaringe, exame demorado e caro. O hemograma geralmente apresenta linfocitose importante. A pesquisa de PCR também é utilizada. A clínica característica, aspectos epidemiológicos (vacinação incompleta, contato com sintomáticos) permitem definir o diagnóstico.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Dislipidemias na Infância e Adolescência

IntroduçãoOs principais lípides para o ser humano são: ácidos graxos, colesterol, triglicérides (TG) e fosfolípides (FL). Estas moléculas constituem a porção lipídica das lipoproteínas (LP) (forma de transporte dos lípides na circulação sanguínea). A outra parte das LP é constituída de proteínas especiais, denominadas apolipoproteínas ou apoproteínas (apo). Estas têm as seguintes funções: a) transporte dos lípides na corrente sanguínea; b) ligação com os receptores celulares; c) ativação de determinadas enzimas.

O colesterol é importante para a formação e função das membranas celulares e para síntese de sais biliares, de hormônios esteróides e da vitamina D. Os TG têm  papel energético , para utilização imediata ou após armazenamento, enquanto os FL são importantes para manter a integridade das membranas celulares e a solubilidade dos ésteres de colesterol e dos TG no interior das LP.

Classificação e Etiologia  
Dislipidemias primárias    Dislipidemias secundárias
Hipercolesterolemia familiar(heterozigótica e homozigótica) tipo IIa de FredricksonHipotireoidismo
Hipercolesterolemia familiar por apoB-100 defeituosaDiabetes
Hipercolesterolemia poligênicaObesidade
Sitosterolemia (excessiva absorção intestinal de esteróis derivados de plantas)Anorexia nervosa
Hiperlipidemia combinadaLipodistrofias
Hipertrigliceridemiafamiliar (hiperlipoproteinemia tipo I ou IV)Síndrome de Cushing
DisbetalipoproteinemiaDoenças renais (síndrome nefrótica, insuficiência renal)
Hipobetalipoproteinemia e abetalipoproteinemiasHepatopatias (hepatite, cirrose, colestase)
Doenças por deficiência de HDL (doença de Tangier, hipoalfalipoproteinemia familiar). Doenças de depósito (depósito de glicogênio,Tay Sachs, Nieman-Pick)
 (hiperlipoproteinemia tipo III)Alcoolismo
Hipobetalipoproteinemia e abetalipoproteinemiasMedicamentos: contraceptivos, anti-hipertensivos, anti-convulsivantes...

a faixa etária da infância e adolescência, as dislipidemias têm preocupado cada vez mais pediatras e nutrólogos, à medida que avança a epidemia de obesidade configurando-se em importante fator de risco para a geração e progressão da aterosclerose.

Avaliação Laboratorial

A 1º Diretriz de Prevenção de Aterosclerose na Infância e Adolescência preconiza que o screenning de triglicérides e o colesterol total e frações devem ser realizados em todos os adolescentes acima de 10 anos de idade e nas crianças entre 2 e 10 anos, quando existir:

1.pais ou avós com história de aterosclerose precoce (antes dos 55 anos de idade)
2.parentes de 1º grau com valores de colesterol total > 240 mg/dL e de triglicérides    >400 mg/dL;
3.outros fatores de risco, como diabete melito, infecção pelo HIV, síndrome nefrótica,  lúpus eritematoso sistêmico, obesidade.
4.história positiva de pancreatite aguda, xantomas eruptivos, arco corneano palpebral, xantomas em tornozelos, face dorsal das mãos e joelhos.
5.História familiar desconhecida.


Valores do perfil lipídico de crianças (acima de 2 anos) e adolescentes

Lipoproteínas (mg/dL)             Desejáveis        Limítrofes        Aumentados
Colesterol total                         < 150             150-169             >170
LDL-C                                    < 100             100-129             >130
HDL-C                                    > 45                 
Triglicérides                             < 100             100-129             >130


A amostra sanguínea para a análise completa do perfil lipídico deve ser obtida após jejum de 12 hs. As crianças devem manter a sua dieta habitual por pelo menos 2 semanas e não praticar exercício físico no dia anterior à coleta.

Conduta e Tratamento
A conduta e as recomendações para o tratamento baseiam-se na média dos valores obtidos de LDL-colesterol.
1. LDL-colesterol < 110 mg/dL
Recomendações de padrão alimentar saudável, controle de peso corporal e incentivo à atividade física. O tempo diante da televisão, videogame e computador deve ser limitado a 2 hs por dia. Repetir o perfil lipídico em 5 anos.
2. LDL-colesterol de 110 a 129 mg/dL.

     
Recomendações para a redução dos fatores de risco presente. Modificação do padrão                                           alimentar. Introdução de dieta com gordura de 25 a 35% do total calórico/dia (gordura  saturada até 10%, poliinsaturada 10%, monoinsaturada 20%), ácidos graxos trans até 1% do  valor energético total de lípides e colesterol até 300 mg/dia (dieta tipo 1). Reavaliação em 1 ano.
3. LDL-colesterol > 130 mg/dL
Avaliação clínica. Afastar causas secundárias de hiperlipidemias e rastreamento familiar. Introdução da dieta acima descrita. Caso após adesão adequada da dieta, por no mínimo 3 meses, houver falha em alcançar o alvo de LDL-colesterol < 130 mg/dl, inicia-se uma dieta com colesterol diário de 200 mg e gordura saturada na quantidade máxima de 7% do valor total de energia (dieta tipo 2).

Reavaliar em 6 semanas.

Nas hipertrigliceridemias graves é utilizado o mesmo esquema, acrescido da redução de carboidratos simples.
Nas quilomicronemias graves com grande risco de pancreatite, pode ser cogitado o uso de triglicérides de cadeia média (TCM) e/ou óleo de peixe.


Tratamento Medicamentoso
O tratamento com drogas hipolipemiantes é recomendável em crianças com idade superior  a 8 anos. De um modo geral recomenda-se a associação de dieta tipo 2 e fármacos hipolipemiantes quando são encontrados valores de LDL-colesterol acima de 190 mg/dL ou acima de 160 mg/dL na presença de fatores de risco, especialmente história familiar de doença cardiovascular prematura.
Os medicamentos usados no tratamento das hiperlipidemias atuam diretamente no aumento da excreção (sequestrantes dos ácidos biliares) ou do metabolismo da fração LDL do colesterol, reduzindo sua produção (estatinas).

Prevenção

•Utilizar menor proporção de gorduras saturadas em relação às mono e poli-insaturadas;
•Evitar alimentos preparados com gorduras trans-hidrogenadas;
•Aumentar consumo de fibras solúveis, principalmente pectinas (frutas) e gomas (aveia e leguminosas);
•Ingerir ao menos 5 a 6 porções de frutas e hortaliças ao dia;
•Consumir peixes em substituição a outras carnes;
•Dar preferência aos carboidratos complexos, reduzindo a proporção dos carboidratos simples.
A prevenção da aterosclerose deve ser iniciada na infância e o pediatra deve estar atento para identificar e intervir precocemente nos seus fatores de risco.

Claudia M. Zen
Pediatra e Nutróloga
pediatrazen@gmail.com


quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Doença de Kawasaki



João Luiz Langer Manica*


Inicialmente descrita em 1967 por Tomisaku Kawasaki, é atualmente a causa mais frequente de doença cardíaca adquirida em crianças nos países desenvolvidos ultrapassando a febre reumática. A incidência anual em descendentes japoneses é aproximadamente 150 para cada 100.000 crianças menores de 5 anos e nos Estados Unidos afeta em torno de 10 a 15 a cada 100.000 crianças menores de 5 anos. O diagnóstico é baseado em critérios clínicos, entretanto algumas crianças de apresentam com a doença incompleta ou atípica. Nestes casos o diagnóstico é desafiador e a incidência de doença coronariana parece ser mais alta em comparação com os pacientes com apresentaçãoo clássica.
Na ausência de testes diagnósticos específicos ou sinais clínicos patognomônicos, critérios clínicos foram estabelecidos com o intuito de aumentar a acurácia diagnóstica e diminuir a incidência de complicações relacionadas à doença.
O diagnóstico clássico é baseado na presença de febre por pelo menos 5 dias e 4 ou mais das principais características durante a fase aguda da doença:
-        Alteração de Extremidades:
Agudas: Eritema de palmas e solas, edema de mãos e pés.
Subagudas: Descamação periungueal das mãos e pés em aproximadamente 2 a 3 semanas.
-        Exantema polimorfo ou escarlatiniforme
-        Eritema conjuntival não exsudativo
-        Língua framboesiforme, eritema de orofaringe, fissuras e eritema labial
-        Linfonodomegalia cervical

Tipicamente, todas as características não estão presentes simultaneamente e a observação cuidadosa é necessária para o diagnóstico adequado.  Na presença de 4 ou mais dos principais critérios, o diagnóstico de Kawasaki pode ser feito no 40  dia de doença.
A febre é geralmente alta e remitente (acima de 390). Na ausência de tratamento, persiste por uma média de 11 dias. Com terapia apropriada, a febre desaparece dentr de 2 dias.
O rash eritematoso geralmente aparece dentro de 5 dias do ataque da febre, é não pririginoso e envolve o tronco e extremidades com acentuação na região perineal. Erupções bolhosas e vesiculares praticamente descartam a suseita de doença de Kawasaki.
A linfadennopatia cervical é o menos comum dos critérios diagnósticos. Geralmente é  unilateral  e classicamente compromete mais de 1 linfonodo com diâmetros superiores a 1.5cm.
Outros achados clínicos que podem ocorrer na fase aguda da doença que dura entre 1 e 2 semanas são miocardite, derrame pericárdico, meningite asséptica, diarreia, disfunção hepática, uveíte e artrite e/ou artralgia. A fase subaguda ocorre após o desaparecimento da febre, do rash e da linfadenoatia, geralmente na segunda semana de doença e pode durar por até 4 semanas. Se caracteriza por descamação periungueal, trombocitose e aneurismas coronarianos. Em 1% dos casos pode haver complicações neurológicas. Já a fase de convalescença inicia com o desaparecimento dos sinais clínicos e dura aproximadamente 6 a 8 semanas após o início da febre, até a normalização da velocidade de hemossedimentação.
Manifestações Cardíacas: Pode haver miocardite com disfunção ventricular, pericardite e/ou endocardite com comprometimento valvular. Entretanto, as alterações coronarianas como dilatação, estenose ou formação aneurismática são as mais frequentes acometendo 20 a 25% dos pacientes não tratados e 5% dos pacientes tratados, principalmente nos lactentes menores de 6 meses. Os aneurismas, de modo geral,  podem ser detectados por ecocardiografia em torno do 100 dia de doença. O fator de risco mais importante para a formação de aneurismas coronarianos é a duração febre a despeito do uso de IGIV. Outros possíveis fatores de risco são VSG aumentado, anemia, hipoalbuminemia, sexo masculino, idade inferior a 1 ano, hiponatremia e trombocitopenia.
Tratamento: O tratamento da doença de Kawasaki na fase aguda visa diminuir  a resposta inflamatória na parede da artéria coronária e prevenir a vasculite e suas consequências  drásticas (trombose e aneurisma). Já na fase subaguda e de convalescença tem por objetivo prevenir a isquemia miocárdica e o infarto nos pacientes com acometimento cardiovascular.
A imunoglobulina intravenosa (IGIV) deve ser usada preferencialmente nos primeiros 7 a 10 dias de doença com o objetivo de diminuir a prevalência de anormalidades das artérias coronárias e abreviar a duração dos sintomas clínicos. A utilização da IGIV antes do 50 dia não previne as sequelas cardíacas mais do que o tratamento ente o 70 e o 100 dia.  Os pacientes devem receber IGIV na dose de 2g/Kg em infusão única durante o período de 10 a 12 horas. Pacientes que persistem com febre após a infusão de IGIV devem receber nova dose da medicação pois apresentam maior risco de alterações coronarianas.
 O ácido acetilsalicílico (AAS) deve ser usado em altas doses durante a fase aguda (80 a 100 mg/Kg/dia ÷ 4) para potencializar o efeito anti-inflamatório da IGIV, porém não diminui a incidência de anormalidades coronarianas. Deve ser utilizado até 48 a 72 horas de estado afebril, sendo diminuída a dose para 3 a 5mg/Kg/dia por um período de 6 a 8 semanas a partir do início da doença. Crianças com anormalidades cardíacas devem receber AAS em doses baixas indefinidamente. Corticosteróides podem ser utilizados em pacientes que não respondem a 2 doses de IGIV.


*Cardiologista Pediátrico

Intervenção em Cardiopatias Congênitas