Dra.
Simone Fagondes (*)
Introdução
Os distúrbios da respiração durante o sono compreendem uma
série de situações clínicas, que vão desde a apnéia da prematuridade, apnéia da
infância, síndrome da morte súbita do lactente, síndromes de hipoventilação
(congênitas ou adquiridas) até os distúrbios obstrutivos durante o sono. Face à
importância do tema, tanto pela prevalência elevada como pelas crescentes
evidências de suas repercussões, principalmente cardiovasculares e
neurocognitivas, serão a seguir abordados os distúrbios obstrutivos durante o
sono, conjunto também denominado Síndrome da apnéia/hipopnéia obstrutiva da
criança (SAHOS).
Definição
SAHOS da criança é um distúrbio da respiração durante o sono
que é caracterizado por prolongados períodos de obstrução parcial das vias
aéreas superiores e/ ou por episódios intermitentes de obstrução completa das
vias aéreas, que interferem na ventilação e nos padrões normais de sono.
Epidemiologia
A SAHOS pode ocorrer em qualquer idade, com uma prevalência
estimada de 2%. Tem um pico de prevalência entre 2 a 8 anos de vida, ocasião na
qual as tonsilas faríngeas e palatinas são proporcionalmente maiores em relação
ao tamanho da via aérea. Dados recentes sugerem que SAOHS tende a ser mais
comum em crianças com história familiar de SAOHS, crianças da raça negra e
ainda crianças com doenças ou condições clinicas que ocasionem obstrução tanto
das vias aéreas superiores como inferiores, em pacientes com malformações
craniofaciais, por exemplo.
A tabela 1 apresenta as principais condições associadas a
SAHOS em crianças.
Tabela 1- Condições clinicas associadas a SAOHS
1- Síndromes Craniofaciais
1.1-
Hipoplasia do terço médio da face
Sindrome de Apert
Sindrome de Crouzon
Sindrome de Pfeiffer
Sindrome de Treacher- Collins
1.2-
Macroglossia/ glossoptose
Sindrome de Down
Sequencia de Pierre Robin
Sindrome de Beckwith- Wiedman
1.3- Outras
Acondroplasia
Sindrome de Goldenhar
Sindrome de Marfan
2- Doenças neurológicas
Paralisia cerebral
Miastenia gravis
Sindrome de Möbius
Malformação de Arnold- Chiari
3- Miscelânea
Hipertrofia de amigdalas e de
adenóide
Obesidade
Hipotireioidismo
Mucopolissacaridose
Sindrome de Prader- Willi
Anemia falciforme
Estenose de coanas
Laringomalácia
Estenose subglotica
Queimaduras de face e pescoço
4- Pós- operatório tardio
Fenda palatina
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Seqüelas
Quando não tratada, a SAHOS pode resultar em sérias
morbidades. As conseqüências mais dramáticas, felizmente menos frequentes
devido ao reconhecimento mais precoce da síndrome, são o cor pulmonale e o
retardo mental. Ganho poderal insuficiente tem sido descrito e, principalmente
uma recuperação do crescimento após adenotonsilectomia, o que se deve a redução
do trabalho respiratório. Hipertensão pulmonar, disfunção ventricular direita e
hipertensão arterial sistêmica também podem ocorrer.
Grande ênfase tem sido dada às repercussões neurocognitivas
como dificuldades no aprendizado, problemas comportamentais e ainda déficit de
atenção/hiperatividade.
Abordagem diagnóstica
SAHOS na criança caracteriza-se por um continuum que vai
desde o ronco primário, entendido como uma situação benigna de ronco sem
alterações fisiológicas e complicações; a resistência aumentada das vias aéreas
superiores que é um subtipo ou uma variação da SAHOS caracterizada por perodos
de aumento da resistência das vias aéreas e de aumento do esforço respiratório
durante o sono associado com ronco, fragmentação do sono, sonolência diurna
excessiva e redução do desempenho neurocognitivo; hipoventilação obstrutiva
onde os achados prévios se associam com hipercapnia até, finalmente, a SAHOS,
previamente definida. (Figura 1)
Figura 1- Continuum
da obstrução das vias aéreas superiores durante o sono na criança
Avaliação clínica
A identificação de ronco, apnéias observadas pelos
familiares e sono agitado são os principais indicadores da possibilidade de
SAHOS. Recomenda-se a inclusão de questões para detalhamento do ronco
(freqüência, intensidade, relação com infecções, posição corporal, continuidade,
associação com esforço respiratório);
comportamento durante o sono e ao acordar, posição para dormir,
ocorrência de enurese; presença de infecções de vias aéreas de repetição,
respiração oral, desempenho escolar, labilidade emocional e co-morbidades (síndromes
craniofaciais por exemplo).
O exame físico deve identificar a situação pondero-estatural
do paciente (lembrando que as crianças com SAHOS tendem a ter um crescimento
abaixo do previsto para a idade); avaliar evidências de obstrução crônica das
vias aéreas superiores (estigmas do respirador bucal), hipertrofia de tonsilas
palatinas (tanto nos diâmetros latero-lateral como antero-posterior); formato
craneofaceal (face longa e ovalada, mento estreito e curto, retroposição da
mandibula, palato alto e arqueado, palato mole alongada); avaliação
cardiológica buscando sinais sugestivos de sobrecarga direita e ainda
hipertensão arterial.
Exames complementares
Para a identificação de condições predisponentes
recomenda-se a realização de Rx de cavum, em algumas situações,
nasofibrolaringoscopia ou fluoroscopia das vias aéras superiores, ressonância
magnética cerebral ou tomografia computadorizada na supeita de malformações ou
massas no sistema nervoso central.
A polissonografia realizada em laboratório do sono é o exame
padrão tanto para o estabelecimento do diagnóstico como para o controle do
tratamento, quando indicado. O exame constitui-se em uma monitorização não
invasiva de diversos parâmetros durante o sono e deve ser realizada durante
sono espontâneo e noturno. Alternativamente e apenas para screening, em
lactentes com até 6 meses de vida, pode-se realizar um estudo diurno reduzido
(com um tempo recomdendado de 3 a 4 horas de registo). Os estudos domiciliares com equipamentos
portáteis, o registro do ronco com vídeo do paciente durante o sono, o holter de oximetria durante o sono são considerados, até o presente momento, de
valor limitado para o diagnóstico de SAHOS.
A realização de ecocardiografia com ênfase para as cavidades
direitas e identificação de sinais sugestivos de elevação da pressão em artéria
pulmonar é sempre recomendada.
Tratamento
Diferentemente do adulto, o tratamento da SAHOS na criança,
uma vez identificada a presença de hipertrofia de adenóide e/ou amigdalas, é
cirurgico.
Outras alternativas de tratamento estão apresentadas na
tabela 2.
Tabela 2 Opções de tratamento para a SAHOS na criança
Manejo
clínico
Tratamento de
rinite
Pressão continua
positiva na via aérea não invasiva- Cpap ou bilevel
Perda de peso para
os pacientes obesos
Tratamento
cirúrgico
Adenoamigdalectomia
Cirurgias
ortognáticas (nas crianças com malformações craneofaciais)
Traqueostomia em
casos individualizados
(*) Médica do
laboratório do sono do Hospital de Clínicas de Porto Alegre
Doutora em Pneumologia pela UFRGS
Professora do Programa de Pós-graduação em
Ciências Pneumológicas da UFRGS
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