quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Doença do Refluxo Gastroesofágico


Eduardo Montagner Dias

               O refluxo gastroesofágico (RGE) consiste na passagem do conteúdo gástrico para o esôfago, podendo ou não haver regurgitação ou vômito. É um processo normal, fisiológico, geralmente pós-prandial, que ocorre várias vezes ao dia em lactentes, crianças e adultos saudáveis. Em lactentes, as regurgitações são mais freqüentes entre o 2º e 4º mês de vida, apresentando resolução espontânea até os 24 meses na maioria dos casos.
A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) associa-se à presença de sintomas ou complicações do RGE, como pirose, dor retroesternal, disfagia, erosão dental, irritabilidade, recusa alimentar, postura distônica do pescoço, ruminação, emagrecimento, insuficiência de crescimento, esofagite, hematêmese, pneumonias de repetição, sibilância, tosse, estridor e apneia. A associação de problemas de ouvido com DRGE é controversa. Grandes séries de casos não têm demonstrado uma relação estatisticamente consistente entre DRGE e ALTE (apparent life threatening event), episódios caracterizados por engasgo, apneia, cianose e hipotonia.
São grupos de risco para DRGE: neuropatas; crianças operadas de atresia de esôfago; portadores de hérnia hiatal; portadores de doenças respiratórias crônicas, principalmente fibrose cística e os submetidos a transplante pulmonar; pacientes em uso de quimioterapia; e prematuros.
               O diagnóstico de DRGE é essencialmente clínico, mas sintomas subjetivos não são confiáveis em crianças menores de 8 anos, pois podem ser inespecíficos. Os consensos atuais autorizam o tratamento das crianças maiores e adolescentes baseada apenas na história e exame físico quando os sintomas são típicos, como náuseas, vômitos e pirose pós-prandial. Não há evidências para indicar um teste terapêutico em crianças menores, nos quais os sintomas são bem menos específicos e podem ser confundidos com alergia à proteína do leite de vaca e esofagite eosinofílica.
Há uma grande variedade de métodos diagnósticos. O Rx contrastado de esôfago, estômago e duodeno (REED) tem importante papel na avaliação anatômica e na pesquisa de fístula traqueo-esofágica, mas a observação de episódios de refluxo durante este exame não tem valor no diagnóstico da DRGE. A ecografia de abdome é válida na pesquisa de estenose hipertrófica de piloro e para avaliação de órgãos intra-abdominais, mas a observação de episódios de refluxo durante este exame também não tem valor no diagnóstico da DRGE. A pHmetria esofágica de 24h tem sido utilizada com mais freqüência nos casos atípicos, com sintomas extra-digestivos, sobretudo pulmonares e otorrinolaringológicos.
A endoscopia digestiva alta permite a avaliação macroscópica da mucosa esofágica e a coleta de biópsias para estudo histopatológico, e possibilita o diagnóstico de complicações esofágicas da DRGE, como esofagite, estenose péptica ou esôfago de Barrett. Também tem papel fundamental no diagnóstico diferencial de outras doenças, como esofagite eosinofílica, úlcera duodenal e gastroenteropatia eosinofílica.
               Os objetivos do tratamento são a promoção do crescimento e do ganho de peso adequado, o alívio dos sintomas, a cicatrização das lesões teciduais e a prevenção das complicações. Devemos primeiro diferenciar o RGE fisiológico, observado em crianças com bom ganho ponderal e sem sinais de alerta, da DRGE, para evitar o uso abusivo e desnecessário de medicações. Crianças menores não devem ser tratadas empiricamente. Cursos prolongados ou repetidos de tratamento medicamentoso não devem ser prescritos antes da confirmação diagnóstica.
               Tratamento conservador: evitar tabagismo ativo e passivo; evitar roupas apertadas; trocar as fraldas antes das mamadas; fazer refeições menores e mais frequentes; não comer algumas horas antes de dormir; chocolates, refrigerantes, chás e cafés não são recomendados. A elevação da cabeceira não tem comprovação em estudos controlados. A posição prona pode ser recomendada para crianças com mais de 1 ano de idade, cujo risco de morte súbita é desprezível; nas crianças com menos de 1 ano a posição supina é a recomendada. Em adolescentes e adultos é provável que o decúbito lateral esquerdo seja a melhor posição. O espessamento da dieta não é uma medida eficaz. As fórmulas AR – antirregurgitação – podem diminuir a regurgitação visível, mas não diminuem a frequência dos episódios de refluxo.
               Tratamento medicamentoso: o tempo de tratamento varia de 4 a 12 semanas; a administração em longo prazo não é aconselhável sem investigação prévia.
Procinéticos têm seu uso restrito na faixa etária pediátrica tanto pela presença de efeitos colaterais significativos quanto pela ausência de comprovação de eficácia de alguns deles. Têm melhores resultados quando predominam sintomas de dismotilidade, em pacientes que apresentam mais regurgitações do que dor. Exemplos: metoclopramida, domperidona, bromoprida, eritromicina e baclofeno.
               Antagonistas do receptor H2 da histamina: A ranitidina, pelo seu início rápido de ação, pode ser usada na dose de 3 a 5 mg⁄kg⁄dose, de 12⁄12h, nos casos de esofagites leves. A taquifilaxia ou diminuição da resposta pelo uso crônico é um problema.
               Inibidor da bomba de prótons: omeprazol, esomeprazol, lansoprazol. Não estão aprovadas para crianças menores de 1 ano. São superiores aos antagonistas H2 tanto para melhorar sintomas como para cicatrizar lesões, sendo utilizados nos casos de esofagite erosiva, estenose péptica e esôfago de Barrett. A dose de omeprazol varia de 0,7 a 3,5 mg⁄kg⁄dia, geralmente em dose única diária, não ultrapassando 80 mg⁄dia.
               Como o refluxo gastroesofágico assintomático é prevalente em crianças asmáticas, foi realizado recentemente um estudo randomizado cego controlado por placebo para determinar a eficácia do lanzoprazol na redução dos sintomas de asma nos pacientes refratários ao uso de corticóide inalatório. O uso de lanzoprazol nestes pacientes sem RGE evidente, comparado com placebo, não mostrou melhora do controle da asma nem da função pulmonar a ainda foi associado a um aumento no número de infecções respiratórias.
               Tratamento cirúrgico: fundoplicatura pode ser indicada nos casos refratários ao tratamento medicamentoso, que continuam a apresentar complicações graves da DRGE.

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