Eduardo Montagner Dias
O
refluxo gastroesofágico (RGE) consiste na passagem do conteúdo gástrico para o
esôfago, podendo ou não haver regurgitação ou vômito. É um processo normal,
fisiológico, geralmente pós-prandial, que ocorre várias vezes ao dia em
lactentes, crianças e adultos saudáveis. Em lactentes, as regurgitações são mais
freqüentes entre o 2º e 4º mês de vida, apresentando resolução espontânea até
os 24 meses na maioria dos casos.
A doença do refluxo gastroesofágico
(DRGE) associa-se à presença de sintomas ou complicações do RGE, como pirose, dor
retroesternal, disfagia, erosão dental, irritabilidade, recusa alimentar,
postura distônica do pescoço, ruminação, emagrecimento, insuficiência de
crescimento, esofagite, hematêmese, pneumonias de repetição, sibilância, tosse,
estridor e apneia. A associação de problemas de ouvido com DRGE é controversa.
Grandes séries de casos não têm demonstrado uma relação estatisticamente
consistente entre DRGE e ALTE (apparent
life threatening event), episódios caracterizados por engasgo, apneia,
cianose e hipotonia.
São grupos de risco para DRGE:
neuropatas; crianças operadas de atresia de esôfago; portadores de hérnia
hiatal; portadores de doenças respiratórias crônicas, principalmente fibrose
cística e os submetidos a transplante pulmonar; pacientes em uso de
quimioterapia; e prematuros.
O
diagnóstico de DRGE é essencialmente clínico, mas sintomas subjetivos não são
confiáveis em crianças menores de 8 anos, pois podem ser inespecíficos. Os
consensos atuais autorizam o tratamento das crianças maiores e adolescentes
baseada apenas na história e exame físico quando os sintomas são típicos, como
náuseas, vômitos e pirose pós-prandial. Não há evidências para indicar um teste
terapêutico em crianças menores, nos quais os sintomas são bem menos
específicos e podem ser confundidos com alergia à proteína do leite de vaca e esofagite
eosinofílica.
Há uma grande variedade de métodos
diagnósticos. O Rx contrastado de esôfago, estômago e duodeno (REED) tem
importante papel na avaliação anatômica e na pesquisa de fístula
traqueo-esofágica, mas a observação de episódios de refluxo durante este exame
não tem valor no diagnóstico da DRGE. A ecografia de abdome é válida na
pesquisa de estenose hipertrófica de piloro e para avaliação de órgãos
intra-abdominais, mas a observação de episódios de refluxo durante este exame
também não tem valor no diagnóstico da DRGE. A pHmetria esofágica de 24h tem
sido utilizada com mais freqüência nos casos atípicos, com sintomas
extra-digestivos, sobretudo pulmonares e otorrinolaringológicos.
A endoscopia digestiva alta permite
a avaliação macroscópica da mucosa esofágica e a coleta de biópsias para estudo
histopatológico, e possibilita o diagnóstico de complicações esofágicas da
DRGE, como esofagite, estenose péptica ou esôfago de Barrett. Também tem papel
fundamental no diagnóstico diferencial de outras doenças, como esofagite
eosinofílica, úlcera duodenal e gastroenteropatia eosinofílica.
Os
objetivos do tratamento são a promoção do crescimento e do ganho de peso
adequado, o alívio dos sintomas, a cicatrização das lesões teciduais e a
prevenção das complicações. Devemos primeiro diferenciar o RGE fisiológico,
observado em crianças com bom ganho ponderal e sem sinais de alerta, da DRGE,
para evitar o uso abusivo e desnecessário de medicações. Crianças menores não
devem ser tratadas empiricamente. Cursos prolongados ou repetidos de tratamento
medicamentoso não devem ser prescritos antes da confirmação diagnóstica.
Tratamento
conservador: evitar tabagismo ativo e passivo; evitar roupas apertadas; trocar
as fraldas antes das mamadas; fazer refeições menores e mais frequentes; não
comer algumas horas antes de dormir; chocolates, refrigerantes, chás e cafés
não são recomendados. A elevação da cabeceira não tem comprovação em estudos
controlados. A posição prona pode ser recomendada para crianças com mais de 1
ano de idade, cujo risco de morte súbita é desprezível; nas crianças com menos
de 1 ano a posição supina é a recomendada. Em adolescentes e adultos é provável
que o decúbito lateral esquerdo seja a melhor posição. O espessamento da dieta
não é uma medida eficaz. As fórmulas AR – antirregurgitação – podem diminuir a
regurgitação visível, mas não diminuem a frequência dos episódios de refluxo.
Tratamento
medicamentoso: o tempo de tratamento varia de 4 a 12 semanas; a administração
em longo prazo não é aconselhável sem investigação prévia.
Procinéticos têm seu uso restrito na
faixa etária pediátrica tanto pela presença de efeitos colaterais significativos
quanto pela ausência de comprovação de eficácia de alguns deles. Têm melhores
resultados quando predominam sintomas de dismotilidade, em pacientes que
apresentam mais regurgitações do que dor. Exemplos: metoclopramida, domperidona,
bromoprida, eritromicina e baclofeno.
Antagonistas
do receptor H2 da histamina: A ranitidina, pelo seu início rápido de ação, pode
ser usada na dose de 3 a 5 mg⁄kg⁄dose, de 12⁄12h, nos casos de esofagites leves.
A taquifilaxia ou diminuição da resposta pelo uso crônico é um problema.
Inibidor
da bomba de prótons: omeprazol, esomeprazol, lansoprazol. Não estão aprovadas
para crianças menores de 1 ano. São superiores aos antagonistas H2 tanto para melhorar
sintomas como para cicatrizar lesões, sendo utilizados nos casos de esofagite
erosiva, estenose péptica e esôfago de Barrett. A dose de omeprazol varia de
0,7 a 3,5 mg⁄kg⁄dia, geralmente em dose única diária, não ultrapassando 80
mg⁄dia.
Como o
refluxo gastroesofágico assintomático é prevalente em crianças asmáticas, foi
realizado recentemente um estudo randomizado cego controlado por placebo para
determinar a eficácia do lanzoprazol na redução dos sintomas de asma nos
pacientes refratários ao uso de corticóide inalatório. O uso de lanzoprazol
nestes pacientes sem RGE evidente, comparado com placebo, não mostrou melhora
do controle da asma nem da função pulmonar a ainda foi associado a um aumento
no número de infecções respiratórias.
Tratamento
cirúrgico: fundoplicatura pode ser indicada nos casos refratários ao tratamento
medicamentoso, que continuam a apresentar complicações graves da DRGE.
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