Profa Dra Ângela Rech*
A
neutropenia febril (NF) é uma complicação freqüente entre crianças com câncer
que recebem tratamento quimioterápico. Define-se neutropenia como um número de
neutrófilos no sangue periférico menor que 1000/mcl, o que ocorre nos primeiros
dias do nadir leucocitário, momento em que existe uma tendência à queda nessas
contagens . A neutropenia é considerada como o mais importante fator de risco
isolado para infecções nesses pacientes. Define-se febre como uma medida da
temperatura axilar acima de 38,5˚C, em dois episódios ou mais acima de 38˚C
separados pelo intervalo de quatro horas.
As
infecções oportunistas que ocorrem em pacientes pediátricos neutropênicos em
tratamento para câncer são causadas por agentes virais, bacterianos ou fúngicos
e frequentemente estão associadas à significativa morbidade e mortalidade. Numa
série de casos, Landmarck mostrou, de um lado, que as complicações infecciosas
e hemorrágicas foram documentadas como sendo as principais causas de
mortalidade em pacientes com desordens neoplásicas, particularmente aqueles com
doenças hematológicas. Por outro lado, os avanços nos cuidados de suporte nas
últimas três décadas têm permitido que a grande maioria dos pacientes se
recupere com sucesso após o impacto causado pela quimioterapia citotóxica,
radioterapia, intervenções cirúrgicas agressivas e imunossupressão intensa.
Os
pacientes neutropênicos febris apresentam com freqüência quebra de barreiras
biológicas pela mucosite gastrointestinal e oral determinados pela
quimioterapia, permitindo a colonização bacteriana e servindo como foco de
infecção e de entrada para invasão sistêmica. Esses pacientes também apresentam
alterações na imunidade celular com queda do número e da função das células
CD4+ e hipogamaglobulinemia, tornando-os mais vulneráveis a infecções.
Nas décadas de 60, 70 e início dos anos 80,
os bacilos gram-negativos foram os maiores responsáveis pelas infecções em
pacientes neutropênicos. Os germes mais frequentemente identificados como
causadores das infecções eram o Stafilococcus
coagulase negativo, Pseudomonas
aeruginosa, Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae e Staphylococcus aureus . Entretanto, em
mais da metade dos pacientes com febre e neutropenia não se encontra o agente
infeccioso . Em meados dos anos 80, o espectro das bactérias causadoras de
infecções começou a mudar. Houve um aumento das infecções por gram-positivos,
sendo identificados em 60 a
70% das bacteremias como único agente isolado. As bactérias anaeróbias são menos freqüentes,
podendo estar envolvidos em infecções mistas, como gengivites necrotizantes e
celulites perianais. Em pacientes com granulocitopenia prolongada e em uso de
antibióticoterapia de amplo espectro, deve-se pesquisar toxina para Clostridium dificille, que pode levar a
quadros de diarréia, dor abdominal e febre.
As infecções fúngicas assumem grande
importância, especialmente naqueles pacientes com neutropenia superior a 2
semanas. Destacam-se a Candida sp,
com quadros que variam desde infecções superficiais envolvendo principalmente
mucosa oral e esofágica, até fungemias disseminadas e candidíase
hepatoesplênica.
É de grande importância o levantamento
epidemiológico local pois os agentes variam de instituição para instituição e
também podem variar de tempos em tempos em um mesmo local. A escolha de um
antimicrobiano empírico deve se basear em estatísticas locais atualizadas.
Os
pacientes com NF são manejados em ambiente de internação hospitalar a fim de
serem monitorados quanto às complicações clínicas com potencial risco de morte.
Embora o manejo hospitalar tenha sido eficaz, tem-se observado que nem todos os
pacientes neutropênicos necessitam de cuidados hospitalares, podendo ser
manejados em meio ambulatorial. A identificação, portanto, de diferentes
fatores de risco em pacientes com neutropenia febril tem tornado possível a
investigação de estratégias terapêuticas para pacientes não-hospitalizados.
É necessário instituir um tratamento imediato
com antibióticos de amplo espectro para os pacientes neutropênicos febris,
pois, na maioria das vezes, os resultados dos exames não são suficientemente
rápidos, específicos e sensíveis para identificar a causa do episódio febril.
Alguns fatores devem ser considerados na decisão da terapêutica antimicrobiana
empírica, incluindo: a) a natureza do regime antimicrobiano (esquemas
combinados ou monoterapia); b) a via de administração do tratamento
(parenteral, seqüencial, ou seja, de via intravenosa para via oral, ou via
oral); e c) o local onde o paciente receberá o tratamento (hospital e/ou
domiciliar). Atualmente a monoterapia com antibióticos de amplo espectro vem se
tornando uma boa alternativa, como por exemplo, cefalosporinas de terceira e
quarta geração com atividade anti-pseudomonas (ceftazidime e cefepime), penicilinas
inibidoras de beta-lactamase e carbapenêmicos.
A grande incidência de cocos gram positivos como
agentes etiológicos nesta população de pacientes (St aureus meticilina-resistentes, staphylococci coagulase negativos, enterococos e St viridans) sugere o uso de vancomicina,
se houver critérios clínicos. Após 48-72 horas do início do uso da vancomicina,
se as infecções por gram positivos não forem identificadas, esta deverá ser
descontinuada. Se os culturais iniciais forem positivos para gram positivos e o
paciente não estiver evoluindo bem ao regime terapêutico inicial, a vancomicina
deverá ser adicionada até que o antibiograma possa ser identificado.
O tempo para um neutropênico ficar afebril
varia de 2 a
7 dias. O tempo mínimo necessário para avaliar a eficácia do tratamento
antimicrobiano é de 3 dias. Pacientes com uma duração da neutropenia superior a
7 dias são considerados de alto risco para provável falência ou modificação do
tratamento, como qualquer outro paciente com febre persistente.
Estudos iniciais de Pizzo e
colaboradores identificaram três
conjuntos de pacientes cuja febre foi resolvida num período de 7 dias. No
primeiro grupo foram aqueles pacientes cuja contagem de granulócitos era maior
do que 500 cél/mm³ e que estavam afebris em menos de 7 dias. Nestes casos, a
descontinuação dos antibióticos está seguramente indicada, especialmente se a
contagem de neutrófilos aumenta rapidamente. No segundo grupo foram aqueles
pacientes que estavam estáveis clinicamente no sétimo dia de tratamento, mas
que continuam com contagens de neutrófilos abaixo de 500 cél/mm³. A suspensão
dos antibióticos, neste grupo de pacientes mostrou falência do tratamento em
41% dos casos. No terceiro grupo os que continuavam afebris e estáveis, mas
seguiam em neutropenia no décimo quarto dia após início do tratamento. A
suspensão dos antibióticos foi associada a recorrência de febre em um terço
destes pacientes. Os grupos dois e três receberam no mínimo sete dias de
antibióticos. Nestes casos, devemos proceder a reavaliação do paciente antes da
descontinuação do tratamento.
Quanto ao
uso de antibióticos via oral, temos muitas recomendações na literatura, mas o
uso de quinolonas tem sido apontada como uma escolha racional devido ao amplo
espectro de ação antimicrobiana e excelente tolerabilidade. A ciprofloxacina
tem excelente atividade contra Escherichia
coli, Staphylococcus aureus
meticilina-sensível, Staphylococcus coagulase
negativo, Klebsiella pneumoniae,
Acinetobacter spp, moderada ação contra o Stenotrophomonas maltophilia. A associação da amoxacilina ao
espectro de ação da ciprofloxacina mostrou um aumento de ação terapêutica
anti-estreptocócica e maior cobertura contra germes gram positivos . Park et al.
(2003) publicaram um estudo usando amoxicilina e ciprofloxacina em regime
ambulatorial como continuidade de tratamento hospitalar, após alta precoce, em
pacientes pediátricos com NF e obtiveram taxa de sucesso de 87%.
*Professora adjunta das disciplinas de Pediatria e
Onco-hematologia - Universidade de Caxias do Sul.
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