terça-feira, 4 de setembro de 2012

Síndrome de Aspiração de Mecônio


Manoel Antonio da Silva Ribeiro*

A síndrome de aspiração de mecônio (SAM) caracteriza-se pela presença  de insuficiência respiratória em recém-nascido com líquido amniótico meconial, onde os sintomas não podem ser atribuídos a outras causas. A severidade do quadro é variável. A SAM acomete 2 a 10% de todos os recém-nascidos com líquido amniótico meconial.
Os pricipais fatores de risco para SAM são: pós-datismo, PIG, decendentes africanos e asiáticos.

FISIOPATOLOGIA
A SAM está relacionada com a passagem de mecônio para a cavidade intra-uterina, aspiração deste pelo feto e surgimento de doença pulmonar, podendo resultar em hipoxemia, acidose e hipertensão pulmonar. A doença pulmonar surge pela aspiração do mecônio, a qual interfere com as funções respiratórias normais. Isto ocorre devido à obstrução das vias aéreas, da irritação química, do desencadeamento do processo inflamatório no tecido pulmonar e nos efeitos deletérios no metabolismo do surfactante (inativação e diminuição da produção). A hipertensão pulmonar é um quadro que frequentemente acompanha os casos severos de SAM e contribui para o agravamento da hipoxemia (Figura 1).

QUADRO CLÍNICO
- História de líquido amniótico meconial ou evidência de mecônio no exame físico do recém-nascido (impregnação do vérnix, unhas ou cordão umbilical).
-Depressão respiratória ou neurológica ao nascimento.
- Pós-maturidade ou PIG.
- Sintomas respiratórios logo após o nascimento: gemido expiratório, batimento de asas do nariz, taquipneia, cianose, uso da musculatura respiratória acessória (retrações intercostais e subxifoideia, respiração paradoxal), aumento do diâmetro antero-posterior do tórax (tórax em barril).
- Ausculta pulmonar é inespecífica, apresentando, mais comumente, roncos pulmonares.
- Escape aéreo:  pneumotórax, pneumomediastino (10 a 30% dos casos).
- Hiperetensão pulmonar persistente: caracterizando a presença de um shunt direita-esquerda

DIAGNÓSTICO E AVALIAÇÃO COMPLEMENTAR
Evidenciado pelo quadro de desconforto respiratório e pela presença de mecônio, frequentemente acompanhado por alterações radiológicas.
Na radiografia pode ser observado hiperinsuflação pulmonar, retificação do diafragma, infiltrado pulmonar grosseiro não uniforme, estendendo-se do hilo para a periferia, presença de pneumomediatino e/ou pneumotórax.
A gasometria arterial é útil para acessar o estado respiratório do paciente e a indicação do suporte ventilatório. Pode ser observado hipoxemia e hipercapnia, as quais não são exclusivas da SAM. A gasometria em hiperóxia pode demonstrar a presença de um shunt direita-esquerda.
A ecocardiografia permite excuir cardiopatias congênitas cianóticas e identificar a presença de hipertensão pulmonar

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Taquipnéia transitória do recém-nascido, adaptação respiratória prolongada , pneumonia congênita, outras causas de hipertensão pulmonar do recém-nascido, septicemia,  cardiopatias congênitas cianóticas e pneumotórax por outras causas.

PREVENÇÃO
- Detecção da hipoxemia fetal: monitorização rigorosa da frequência cardíaca fetal, especialmente os casos de pós-maturidade e de retardo de crescimento intra-uterino.
- Pós-maturidade: apesar de controverso, alguns autores indicam a indução do parto em gestações com mais de 41 semanas.
- Amnioinfusão:  consiste na infusão de um fluido isotônico na cavidade amniótica com líquido mecônial, tendo o objetivo de diluí-lo. Não é um procedimento realizado rotineiramente.
- Atendimento ao recém-nascido em sala de parto: indica-se a aspiração traqueal sob visualização direta em recém-nascido não vigoroso. Em outras palavras, está indicada a laringoscopia e intubação traqueal em recém-nascidos que estão em apneia ou gasping e/ou hipotônico e/ou bradicárdico (< 100 batimentos por minuto).

TRATAMENTO
É de suporte.
1-   manutenção em ambiente térmico neutro (exceto para os casos de encefalopatia hipóxico-isquêmica, que está indicado o uso de hipotermia).
2-   correção dos distúrbios metabólicos e eletrolíticos: a hipoglicemia e a acidose aumentam o consumo de oxigênio.
3-   manuseio mínimo
4-    suporte respiratório: controlar a oxigenação e a ventilação. Procura-se manter a saturação de oxigênio (SatO2) acima de 90%, o que corresponderia a uma PaO2 entre 55 e 90 mmHg, valores estes que  promoveriam uma adequada oxigenação tissular sem causar lesão pulmonar. Para uma assistência respiratória adequada pode estar indicado, conforme o caso, oxigenioterapia, uso ventilação mecânica assistida, ventilação de alta frequência (HFV), surfactante, óxido nítrico, sildenafil e ECMO.
A ventilação mecânica é necessária em cerca de 30% dos casos de SAM. O seu objetivo é possibilitar uma ótima troca gasosa com mínimo trauma ao parênquima pulmonar. Busca-se atingir uma PaO2 entre 55 e 90 mmHg (Sat O2 > 90%) e PaCO2 entre 50 e 55 mmHg, desde que o pH esteja > 7,25. Por sua vez, quando houver falha na ventilação mecânica assistida, a HFV está indicada.
O surfactante exógeno pode diminuir a severidade da doença respiratória e tem sido associado a menor necessidade de ECMO. Indicado quando o recém-nascido encontra-se em ventilação mecânica, com FiO2 > 0,5 e pressão média de vias aéreas altas (> 10-12 cmH2O). A dose recomendada é de 150 mg/dl. Alguns centros utilizam a lavagem pulmonar com surfactante.
O óxido nítrico é um vasodilatador pulmonar seletivo administrado sob a forma inalada e está indicado nos casos de hipertensão pulmonar.
5-   sedação: indicada quando há necessidade de ventilar o recém-nascido e o mesmo encontra-se competindo com o respirador. Recomenda-se  o uso de Morfina (ataque: 100-150 mg/kg em 1 hora e 10-20 mcg/kg/h em infusão contínua) ou Fentanil (1,5 mcg/kg/h). A utilização de paralisantes musculares, como o Pancurônio, fica reservado apenas para os casos de dissincronia respiratória persistente, após o uso de sedação, uma vez que os seus efeitos adversos são severos.
6-   controle da pressão arterial e suporte circulatório:
- manter volume vascular: realizar expansão volumétrica com solução fisiológica se hipotensão ou evidência de perfusão ruim.
- restrição intravenosa: 60 ml/kg/dia.
- iniciar com sódio após 24 horas de vida.
- manter hemoglobina > 15mg/dl (hematócrito entre 40-45%)
- utilizar vasopressores caso necessite manter a pressão arterial adequada: Dopamina e/ou Dobutamina.
7- Antibióticos: apesar de não haver evidências a favor de seu empregos, recomenda-se sua utilização em razão de não poder diferenciar a SAM de uma pneumonia congênita e pelo risco de haver uma sobreinfecção bacteriana no parênquima pulmonar alterado.

*  Membro do staff da UTI Neonatal do Hospital São Lucas da PUCRS
    Coordenador  da RGN – SPRS
    Mestre em Pediatria


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