sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Hérnia Diafragmática Congênita (Hérnia de Bochdalek)


José Carlos Fraga¹


A hérnia diafragmática congênita (HDC) ocorre devido à persistência do canal pleuroperitoneal, com passagem de vísceras abdominais para a cavidade torácica. As vísceras herniadas comprimem o pulmão e ocasionam hipoplasia do parênquima e dos vasos pulmonares. A prevalência da HDC é de 1 caso para 3.000 a 5.000 nascidos vivos. Ela corresponde a 90% de todas as anormalidades diafragmáticas que afetam o feto e recém-nascido. Oitenta e cinco a 90% por cento são à esquerda, 10% a 15% à direita e 1-2% bilaterais. Há leve predominância do sexo masculino. Anomalias associadas estão presentes em 10% a 50% dos casos, sendo mais comuns as cardíacas (10%-30%), genitourinárias, gastrointestinais, sistema nervoso central, esqueléticas e anormalidades cromossômicas (trissomias 13,18 e 21, síndrome de Turner, Cornélia de Lange e de Fryns). Quarenta a 60% dos casos são diagnosticadas no período pré-natal. Os principais sinais evidenciados na ultrassonografia (US) da HDC são a presença de alças intestinais e da bolha gástrica dentro do tórax, desvio do mediastino e do coração para o lado contralateral, ausência de bolha gástrica no abdome, peristaltismo presente no tórax. 

Após o nascimento, o início dos sintomas está relacionado com o grau de hipoplasia pulmonar e de hipertensão pulmonar. Noventa por cento das hérnias são sintomáticas nas primeiras 24 horas. Recém-nascido sintomático nas primeiras 6 horas de vida é considerado de alto risco, sendo fator prognóstico de mortalidade. Os principais sintomas e sinais são: sofrimento respiratório (taquipnéia, retrações, cianose), hemitórax afetado abaulado, abdome escafoide, dextrocardia para o lado contralateral ao da hérnia, ausência ou diminuição do murmúrio vesicular, diminuição dos ruídos hidroaéreos abdominais. As principais manifestações tardias da hérnia são: obstrução intestinal, retardo de crescimento, estrangulamento e/ou perfuração de víscera oca intratorácica (principalmente estômago), pneumonias de repetição. Radiografias de tórax mostram desvio do mediastino para o lado contralateral, imagens císticas aéreas compatíveis com o padrão radiológico de alças intestinais no hemitórax. Com hérnia direita, alças intestinais podem também causar esse padrão de imagens císticas, embora o fígado possa bloquear a passagem das mesmas para dentro do tórax. A radiografia de abdome mostra diminuição de ar no abdome. Na dúvida diagnóstica pode ser realizada radiografia contrastada do tubo digestivo alto (esôfago, estômago e duodeno).

Os princípios básicos da ressuscitação e estabilização do recém-nascido com HDC são baseados na intubação precoce, ventilação com pressão positiva menor do que 25 cm H2O, evitando a ventilação com máscara, e assim prevenindo a distensão gasosa do intestino, que se encontra no tórax. Procedimentos adicionais devem incluir a passagem de SNG no10, com aspirações frequentes, medida da saturação pré-ductal (membro superior direito) e pós-ductal (qualquer outro membro), e a manutenção da temperatura corporal. Ecocardiografia com doppler deve ser realizada em todos os casos para identificar a presença de doença cardíaca estrutural, determinar se há hipoplasia do coração, estimar a pressão da artéria pulmonar, grau de shunt e definir o momento ideal da cirurgia. Quando houver necessidade de ventilação mecânica, a mesma deve ser iniciada com pico de pressão inspiratória limitada (< 25 cm H2O) para evitar barotrauma, estimulando a ventilação espontânea, tolerando uma saturação (SaO2) pré-ductal de 85% e permitindo hipercapnia pré-ductal com  PaCO2 < 65 mmHg. Quando há hipertensão pulmonar e/ou hipotensão sistêmica, agentes inotrópicos (dopamina e/ou dobutamina) devem ser usados para elevar a pressão arterial sistêmica acima da pressão pulmonar e assim diminuir o shunt D®E. A sedação deve ser mínima e tem como objetivo minimizar os efeitos da estimulação ambiental e desconforto do tratamento. O uso de surfactantes não é indicado. 

A correção cirúrgica da HDC não deve ser realizada logo após o nascimento, pois a cirurgia retardada proporciona tempo para estabilização clínica, tornando o bebê mais estável, capaz de tolerar a diminuição na complacência toracopulmonar pós-operatória. O momento ideal para a correção cirúrgica é controverso. O período de preparo pré-operatório é muito variável e ainda em investigação (geralmente entre 4 e 8 dias, podendo atingir até 3 semanas). O reparo cirúrgico deve ser retardado até que sejam alcançados os seguintes parâmetros: diferença da PaO2 pré-ductal e pós-ductal menor do que 10 mmHg entre dosagens simultâneas, estabilidade hemodinâmica (pressão arterial e frequência cardíaca estáveis, perfusão periférica adequada), PaCO2 < 60 mmHg, saturação pré-ductal ³ 85% com FiO2 < 50%, exame ecocardiográfico com melhora da hipertensão pulmonar e ausência de shunt ou shunt bidirecional E®D dominante. 

Os objetivos do tratamento cirúrgico são redução do conteúdo herniado e fechamento do defeito diafragmático. O tratamento convencional é realizado pelo abdome, e com incisão subcostal. Pequenos defeitos diafragmáticos devem ser fechados com pontos não absorvíveis separados em forma de U, e grandes defeitos com telas sintéticas ou retalhos musculares. Se houver saco herniário presente, o mesmo deve ser ressecado. Dreno torácico pós-operatório não precisa geralmente ser usado. 

A sobrevida global da HDC operada é de 40% a 70%. Os sobreviventes de HDC têm alta incidência de complicações respiratórias crônicas (30 a 50%), HP residual ou recorrente, nutricionais, musculoesqueléticas (pectus excavatum e escoliose), neurológicas (retardo de desenvolvimento, perda da audição) e gastrointestinais (RGE, obstrução intestinal por bridas), bem como recorrência da hérnia. 

¹ Professor Associado de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFRGS. Cirurgião do Setor de Cirurgia Torácica Infantil e Chefe do Serviço de Cirurgia Pediátrica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).

5 comentários:

  1. Minha filha Cecília teve HDC. Foi o dr.Fraga que a operou no hospital moinhos de vento.

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  2. meu filho Diego tbm teve HDC, Foi operado pelo Dr° Claudio, no Hospital de Clinicas, em Curitiba - PR

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  3. Minha irmã esta com o nenem dela internado e estamos entregando na mão de Deus. Ele ainda não fez cirurgia.

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