Dra. Denise Marques Mota (nefrologista pediátrica)
Apesar do
aumento da taxa de sobrevida de recém-nascidos criticamente doentes, as taxas
de mortalidade e morbidades ainda permanecem altas. O componente neonatal é
responsável por mais de 60% das mortes no primeiro ano de vida (mortalidade
infantil). O primeiro ambiente do neonato é o intrauterino, que deve ser mantido
até o termo, seguido pelo ambiente da UTI, que não é adequado ao
desenvolvimento glomerular, especialmente nos prematuros que ainda não
completaram a nefrogênese (ao redor de 36 semanas se completa).
A injúria
renal aguda (IRA) é um distúrbio complexo, com manifestações variadas que vão
de uma leve disfunção, muitas vezes não diagnosticada, até anúria com necessidade de métodos dialíticos.
A IRA é uma síndrome clínica onde ocorre diminuição súbita da taxa de filtração
glomerular (TFG) por um período de horas a dias, acompanhada de acúmulo de
produtos nitrogenados e distúrbios da homeostase. Os critérios diagnósticos
ainda não estão definidos em neonatos, mas geralmente utilizamos duas
alterações funcionais: creatinina sérica (marcador da TFG) e a oligúria. Ambos
aparecem tardiamente, não sendo marcadores de injúria renal e sim de alterações
já estabelecidas na função renal. A incidência nas unidades de tratamento
intensivo neonatal é ao redor de 8-23%, com alta mortalidade (33-78%) que apresenta
correlação com severidade da doença de base. Nos recém-nascidos <1500g o
risco é maior (79% dos pacientes com IRA) assim como na asfixia neonatal
(30-56%).
O rim neonatal
apresenta algumas características que o tornam mais susceptível ao dano, tais
como pressão arterial média baixa, fluxo sanguíneo renal baixo e resistência
vascular renal alta. O sistema renina angiotensina e as prostaglandinas regulam
o fluxo sanguíneo renal e as alterações hemodinâmicas que ocorrem ao nascimento
e no período neonatal precoce podem levar a um prejuízo nesta auto regulação.
A etiologia da
IRA pode ser dividida em pré-renal (nefropatia vasomotora: 85%), renal
(parenquimatosa: 11%) e pós-renal (obstrutiva: 3%). Os fatores de risco mais
comuns são hipovolemia, hipotensão arterial, hipertensão arterial, hipoperfusão
renal, hipoxemia, drogas, infecções e acidose. Podemos antecipar o risco
avaliando dados maternos (hipóxia intrauterina, hipoperfusão por alterações
placentárias, hipotensão materna, sangramento materno e parto prolongado) e
características dos recém-nascidos (prematuridade, anóxia neonatal, RN de mãe
diabética, membrana hialina, septicemia, uso de ventilação mecânica e
medicamentos nefrotóxicos (indometacina, aminoglicosídeos, ibuprofeno,
furosemida, anfotericina) e doenças do grupo TORCHS).
Não há
consenso em relação ao diagnóstico, mas utilizamos uma dosagem de creatinina
acima de 1,5mg/dl ou aumentando pelo menos 0,2-0,3mg/dl por dia ou falha em
diminuir na primeira semana de vida (RN a termo). A monitorização da creatinina
é muito importante em todas as crianças em unidades de terapia intensiva. Deve-se
suspeitar de IRA em neonatos com oligúria <0,5ml/kg/hora após o primeiro dia
de vida, nos aumentos da creatinina >0,3mg/dia ou a não diminuição após 1
semana de vida. Os prematuros apresentam aumento da creatinina na primeira
semana de vida e redução gradual, o que torna o diagnóstico mais tardio.
As alterações
laboratoriais são decorrentes da falha do rim em manter a homeostase e se
manifestam como aumentos na creatinina, uréia, ácido úrico, potássio, fósforo e
cloro (que pode estar diminuído) e diminuição de sódio, cálcio e bicarbonato.
Medidas
preventivas em todos os neonatos podem proteger o rim, tais como o rígido controle
do balanço hídrico, a utilização prudente e racional de medicações com ajustes
dos intervalos de acordo com a função renal, a avaliação da densidade urinária,
o controle da pressão arterial, da gasometria e da creatinina. O controle de
pressão arterial deve ser realizado na rotina da UTI e devemos usar as tabelas
de valores de normalidade de acordo com a idade gestacional e
pós-conceptual para avaliação,
diagnóstico e tratamento adequado.
A proteção
farmacológica pode ser realizada com teofilina (antagonista da adenosina) que
reverte a vasoconstrição causada pela hipoxemia e melhora função renal em RN
com membrana hialina na dose de 1mg/kg EV nos primeiros 2 dias de vida e com 8mg/kg
na primeira hora de vida nos anoxiados.
Após a
instalação de IRA o tratamento é voltado para as alterações dos distúrbios
hidroeletrolíticos, acidobásicos e da patologia de base. As indicações de
diálise são por sobrecarga de volume, hipercalemia (não responsiva às medidas
convencionais), acidose metabólica severa, hiperfosfatemia/hipocalcemia, necessidade
de nutrição e drogas e falha do tratamento conservador. Uma ecografia renal e
de vias urinárias deve ser realizada sempre para avaliação de malformações
renais e de trato urinário que podem ser as causadoras do quadro de IRA.
O
acompanhamento deve ser realizado após alta hospitalar durante o primeiro ano
de vida pelo risco de deterioração renal, sendo que ao redor de 40% podem permanecer
com disfunção residual.
A prevenção da
prematuridade e o atendimento adequado na sala de parto diminui a mortalidade
infantil e previne uma parcela significativa de IRA.
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