quarta-feira, 14 de março de 2012

HIV em pediatria

Marcelo Comerlato Scottá
Infectologia e Pediatria

A infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) foi reconhecida há mais de 30 anos, tornando-se rapidamente uma pandemia. Na década de 80, era uma patologia quase universalmente letal, tanto em adultos quanto em crianças. Entretanto, com o advento da Terapia antiretroviral altamente ativa (TAARV) nos anos 90, observou-se uma mudança radical na epidemiologia, tornando-se uma enfermidade de caráter crônico. Os primeiros casos em pacientes pediátricos foram identificados no Brasil em meados dos anos 80. Em pacientes pediátricos, aproximadamente 85% das infecções são adquiridas verticalmente e a doença tende a progredir de forma mais severa. A transmissão vertical, nos casos em que nenhuma intervenção é realizada, situa-se entre 25 e 40% dos pacientes. Contudo, a partir da introdução e aperfeiçoamento do protocolo PACTG 076, com uso de antiretoviral na gestação, no período pré-parto e nas primeiras 6 semanas de vida para o recém-nascido, uma taxa de transmissão vertical menor que 1% em algumas séries. Devido ao fato da maioria das contaminações ocorrerem no período periparto, o início da TARV a partir da décima quarta semana de gestação é a medida de maior impacto na redução da transmissão, devendo todas as gestantes ser testadas já no início da gestação. Além disso, uma proporção não desprezível de gestantes se contamina na gestação, portanto todas as gestantes (e idealmente os parceiros também) devem ser testadas também no terceiro trimestre.

Em relação à história natural, cerca de 15 a 20% dos pacientes infectados apresentam progressão rápida e muitas vezes devastadora da infecção pelo HIV, com manifestações severas nos primeiros dois anos de vida. Entre estas, a encefalopatia pelo HIV, a complicação mais temida, caracteriza-se pela tríade (não necessariamente completa) de microcefalia, retardo de desenvolvimento neuropsicomotor e paresia flácida ou espástica simétrica. Outras manifestações importantes incluem pneumonia por Pneumocistis jiroveci, Pneumonias bacterianas de repetição e retardo de crescimento. Devido a este risco de progressão rápida, o esclarecimento do diagnóstico no lactente deve ser realizado o mais rápido possível, não sendo adequado aguardar a perda dos anticorpos maternos que pode levar até 18 meses para ocorrer e sim executar exames virológicos (PCR, b-DNA) nos primeiros meses de vida, geralmente 2 e 4 meses. Inversamente, cerca de 15 a 20% das crianças infectadas verticalmente apresentam sintomas apenas após os 8 anos de idade. Por isso, ressalta-se a importância de testar os irmãos da criança exposta, mesmo que assintomáticos, especialmente se amamentados no seio materno por longos períodos.

Entre as profilaxias realizadas, é importante salientar a peculiaridade da infecção por Pneumocistis jiroveci que ocorre no primeiro ano de vida independente da contagem de CD4, com pico de incidência entre 3 e 6 meses de idade. Portanto, a profilaxia com sulfametoxazol-trimetoprim deve ser instituída assim que se encerre o uso da Zidovudina profilática e mantida até que se descarte a infecção, ou mantida no mínimo até o segundo ano de vida nos infectados. Em relação às indicações de terapia, particularmente no primeiro ano de vida o quadro clínico, a contagem de CD4 e carga viral não possuem um acuraz valor preditivo para manifestações severas, principalmente as neurológicas, devendo ser iniciada TARV para todos os pacientes diagnosticados no primeiro ano de vida. Como é possível inferir sobre o tema, a infecção pelo HIV em pediatria possui uma série de peculiaridades, devendo o pediatra estar atento para estas questões.

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