quarta-feira, 7 de março de 2012

Transplante de fígado em crianças

Cristina Targa Ferreira, Renata Rostirola Guedes, Eduardo Montagner Dias

O transplante hepático é o principal tratamento de muitas hepatopatias que acometem as crianças. Os progressos nos diferentes campos permitem que, na atualidade, 90% das crianças transplantadas sobrevivam com uma boa qualidade de vida.

Indicações:
A indicação para a realização de um transplante de fígado é feita diante de uma enfermidade hepática grave, não passível de outro tratamento eficaz, quando o transplante é capaz de proporcionar uma melhor sobrevida e uma qualidade de vida superior do que com o órgão original.
A atresia biliar (AB) é a enfermidade hepática grave mais frequente na infância. Ocorre em 1 de cada 8.000 a 10.000 recém-nascidos. Em todo o mundo, 40 a 50% dos transplantes hepáticos realizados, em crianças, são devidos a essa doença, que se caracteriza por icterícia e acolia nas primeiras semanas de vida. Se não corrigida precocemente, há evolução para insuficiência hepática e complicações derivadas de hipertensão portal (ascite e hemorragia digestiva) que levam ao óbito antes de um ano de idade em 90% dos casos. Menos de 3% dos casos sobrevivem por 3 anos. O diagnóstico correto de AB no lactente pequeno, preferivelmente antes dos 60 dias de vida, e o tratamento cirúrgico nessa data modificam o prognóstico de maneira significativa.
As outras doenças que podem ter indicação para transplante de fígado na população pediátrica são: Doença de Alagille (ductopenia sindromática); um grupo heterogêneo de doenças colestáticas da infância, de herança autossômica recessiva – PFIC – colestase intra-hepática familiar progressiva; deficiência de alfa-1-antitripsina; hepatopatias metabólicas, como doença de Wilson, Tirosinemia, Galactosemia, Fibrose Cística, Crigler-Najjar, doença do Xarope do Bordo clássica, doenças do ciclo da ureia, hiperoxalúria primária e  hipercolesterolemia familiar homozigótica. A indicação de transplante devido a hepatopatias virais crônicas (VHB, VHC), hepatite auto-imune, colangite esclerosante, síndrome de Budd-Chiari ou hepatopatia idiopática, é rara em crianças. Esses diagnósticos constituem menos de 10% do total das indicações de transplante nas séries pediátricas. A insuficiência hepática aguda grave provocada por vírus, idiopática, tóxica ou auto-imune apresenta uma mortalidade muito elevada. A possibilidade de sobrevida é maior com transplante, que está indicado em todos os casos que cumprem os critérios estritos de insuficiência hepática aguda (coagulopatia grave associada com encefalopatia hepática, em um paciente sem doença hepática prévia) e que em um curto prazo de tempo, com medidas de sustentação, não apresentam melhora. O hepatoblastoma não ressecável (porque compromete o segmento 4 ou ambos os lobos) e outros tumores malignos de menor frequência não ressecáveis e limitados em sua extensão ao fígado são suscetíveis de transplante. Os hemangiomas e os hemangioendoteliomas, que não apresentam resposta a outros tratamentos, também podem ser tratados com o transplante.

Contraindicações:
Existem muito poucas condições que impedem a realização de transplante nas crianças de qualquer idade. A existência de uma doença infecciosa grave, não controlada, de infecção pelo HIV sintomática, de neoplasia extra-hepática ou de comprometimento neurológico significativo irreversível são as contraindicações para o procedimento.

Avaliação e preparo do candidato ao transplante:
    A avaliação da criança que tem indicação de  transplante inclui a reavaliação da história para confirmar a etiologia da doença hepática e dos dados clínicos sobre os quais está  baseada a indicação. São relevantes também na história doenças prévias e infecções. Ao mesmo tempo, devem-se instituir medidas terapêuticas que permitem manter o estado nutricional e geral do paciente. É importante uma avaliação geral dos outros órgãos e dos vasos. A determinação do sistema HLA não é necessária, já que não é utilizada na seleção do doador. A compatibilidade do grupo ABO é o único parâmetro.

A cirurgia do transplante:
    A técnica clássica de transplante consiste na retirada do fígado doente, com a cava retrohepática, seguida pelo implante de enxerto completo. O enxerto reduzido consiste no lobo esquerdo (com ressecção habitual do segmento I) ou no segmento lateral esquerdo (segmentos II e III). Desde 1995, a técnica de transplante com doador vivo para crianças, empregando o segmento lateral esquerdo do doador, tornou-se uma prática muito utilizada. Às vezes, utiliza-se uma técnica em que dois receptores recebem o fígado partido de um doador (split liver).

Imunossupressão:
As duas principais drogas utilizadas na imunossupressão são o Tacrolimus e a Ciclosporina, que são iniciadas logo no primeiro dia de pós-operatório.

Complicações pós-transplante:
As complicações são variáveis, dependendo principalmente do período decorrido após o transplante. No período precoce, as complicações são cirúrgicas e infecciosas. Pode haver não funcionamento do fígado transplantado, tromboses arteriais e venosas, estenoses biliares.  Mais tardiamente, há complicações renais, efeitos adversos das drogas, infecções tardias e outras. Uma complicação muito temida é a síndrome linfoproliferativa, que está ligada ao EBV e que tem uma incidência de 2 a 10% nos diferentes centros.

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