segunda-feira, 28 de maio de 2012

Cateterismo Intervencionista em Cardiopatias Congênitas


Raul Rossi*

O utilidade do estudo hemodinâmico na investigação das cardiopatias congênitas é reconhecida desde os estudos de Cournand, 1941 e Richards, 1945 e recebeu enormes contribuições técnicas por Rodriguez-Alvarez, 1953 e Keith, 1950.
A utilização desta abordagem para o tratamento de doenças estruturais do coração surgiu em 1966 quando William Rashkind introduziu a septostomia com balão no tratamento paliativo da transposição de grandes vasos. A despeito da enorme eficácia do método e de seu impacto nos desfechos após o tratamento desses neonatos, pouco foi feito nas duas décadas seguintes para ampliar a população de pacientes beneficiada pelas técnicas não cirúrgicas.
À partir do final da década de oitenta, no entanto, as inovações no tratamento intervencionista das cardiopatias congênitas foram constantes e modificaram radicalmente o modo de tratar as crianças portadoras dessas doenças.
O texto que segue irá descrever as principais indicações e resultados das técnicas intervencionistas mais comumente utilizadas em crianças e adolescente portadores de doenças estruturais do coração.

 Procedimentos com Balão

Valvoplastia Pulmonar com balão

Este talvez seja o melhor exemplo da utilidade desta modalidade de tratamento. Desenvolvida por Jean Kan em 1982 e inspirada na metodologia utilizada por Andreas Gruntzig na angioplastia coronária. Esta técnica pode ser utilizada na grande maioria dos pacientes, independentemente se sua idade e com resultados semelhantes.
A técnica é simples, reprodutível  e seus resultados imediatos são superiores aos obtidos pela cirurgia. Seus efeitos são duradouros e a necessidade de nova intervenção, em 20 anos, é menor do que 12%.

Valvoplastia Aórtica com balão

Utilizada em todas as faixas etárias, embora com acesso variável, p.ex. a abordagem através da artéria Carótida interna direita é preferida para os recém-nascidos.  A técnica também pode sofrer modificações de acordo com a faixa etária do paciente – redução da mobilidade do balão pode ser obtida com uso de adenosina ou através de “overdrive suppresion” com marca-passos.
Tem como objetivo principal retardar a cirurgia para troca valvar até a época em que valva compatível com o tamanho de adulto possa ser utilizada.
Sua complicação mais frequente é o desenvolvimento de insuficiência valvar a qual, cedo ou tarde, demandará o implante de valva artificial.
Mais modernamente, pode ser utilizada antes do implante percutâneo de valva aórtica em adultos.
 
Angioplastia de Ramos Pulmonares

Também foi desenvolvida na década de oitenta, podendo ser utilizada em único ou múltiplos locais. Tem pequena eficácia a longo prazo a qual pode ser melhorada com uso de balões de alta pressão ou “cutting balloons”.
Pode ser a única opção crianças de baixo peso, em artérias pulmonares distais e tem a vantagem de permitir a remodelação do leito pulmonar. Atualmente é técnica complementar ao implante de stents.

 Angioplastia Aórtica

 Esta técnica também foi introduzida no final dos anos oitenta e sofreu com a controvérsia ocasionada pelo frequente (6%) desenvolvimento de aneurismas na área dilatada e causados pela dissecção local da aorta. Embora não existam evidências de efeitos adversos tardios de sua presença, tal complicação mereceu atenção e acelerou a utilização de stents em crianças menores.
Atualmente, é usada em situações de anatomia favorável (lesões localizadas e não críticas, especialmente quando há evidências de obstrução tipo membrana) e em crianças com peso abaixo de 25 kg.
Nestas indicações, seus resultados podem ser excepcionalmente bons e duradouros.


Implante de stents

 Stents são estruturas metálicas do tipo malha, em forma tubular e que podem ser expandidos no local desejado através de balões ou serem auto-expansíveis.
Os stents mais utilizados em pediatria são os montados manualmente em balões e são comumente feitos de aço inox, cromo-cobalto ou da liga platina-irídio.
Tem diversas formas e, sempre que utilizados, deve-se ter em mente que devem ser capazes de expansão até o diâmetro necessário na idade adulta.
Os stents ganharam inúmeras indicações, principalmente em procedimentos de resgate no pós-operatórios de plastia de ramos pulmonares ou em neonatos ou lactentes pequenos sob situação de risco de vida, quando se usam stents pré-montados e de pequeno diâmetro que necessariamente serão ampliados cirurgicamente, no futuro.
Outra indicação de implante de stents é na coarctação aórtica onde, na maioria das situações, substitui a cirurgia com vantagens. Mais recentemente tem sido dada a preferência para a utilização de stents recobertos por membrana de politetrafluoroetileno (PTFE). Estes permitem maior segurança ao paciente pois, na eventualidade de rotura aórtica, podem tamponar a área de dissecção sem necessidade de cirurgia. Indicações menos comuns são: implante em canal arterial em neonatos com atresia pulmonar para evitar a necessidade de shunt cirúrgico e implante de stent em defeito restritivos do septo Interatrial, evitando também cirurgias com extra-corpórea em bebês com obstrução da via de entrada do ventrículo esquerdo. 
O desenvolvimento científico atual com o apoio da indústria chegou até os stents bioabsorvíveis, em testes há vários anos para implantes coronarianos e que futuramente, quando utilizados em crianças,  terão a enorme vantagem de permitir o crescimento eventual do vaso após a degradação do material implantado.
 
Uso de Radiofrequência

O uso de cateteres de radiofrequência, especialmente desenhados para crianças, permitiu a expansão de suas indicações.
Atualmente, a maioria dos neonatos com atresia pulmonar podem ser definitivamente tratados com balão após perfuração da valva. Outras indicações são: perfuração do septo Interatrial para acesso ao átrio esquerdo ou perfuração de segmento atrésico da aorta descendente.

 Procedimentos de Oclusão

Oclusão percutânea de Canal Arterial

Esta técnica que utiliza dispositivos de várias formas e tamanhos e relativamente simples e permite o fechamento de canais arteriais em crianças maiores do que 4kg de peso. Os canais arteriais menores do que 2 mm de diâmetro são fácil e eficazmente obstruídos por molas de liberação controlada que, além da quantidade pequena de metal que apresentam, twm muito baixo custo financeiro.
A técnica tem curva de aprendizado pouco íngreme e consiste em cruzar o canal arterial, retrógrada ou anterogradamente e, através de cateter liberar o dispositivo escolhido dentro do ducto.
Canais arteriais de maior diâmetro necessitam de próteses do tipo plug para sua oclusão eficaz. Tais dispositivos de utilização simples, tem como inconveniente o risco de obstrução da aorta ou do ramo pulmonar esquerdo, quando são utilizados dispositivos de grande diâmetro em crianças de baixo peso.
Dispositivos para neonatos de muito baixo peso estão sendo atualmente utilizados em estudo clínico e prometem a estender a possibilidade de tratamento percutâneo para 100% das crianças.
 
Oclusão percutânea de Comunicação Interatrial

A grande maioria (90%) das comunicações interatriais do tipo Ostium Secundum podem ser tratada através do cateterismo. O procedimento é feito com anestesia geral quando o implante é guiado por ecocardiograma transesofágico ou com sedação e anestesia local, quando se utiliza o ecocardiograma intra-cardíaco.
Após adequado estudo da complexa anatomia do septo Interatrial, pode-se medir o defeito através de balão de alta complacência e que deve ser inflado até que cesse o fluxo através do defeito. Escolhe-se, então uma prótese de diâmetro igual ao medido com o balão e, então, é realizado o implante. As dificuldades de posicionamento do dispositivo dependem de seu diâmetro e forma do defeito, presença de outros defeitos e complexidade da anatomia septal. Embora possível, deve-se evitar implante de dispositivos de grande diâmetro em crianças muito pequenas. A taxa de sucesso deste procedimento é, claramente, operador-dependente.
Existem diversos tipos de dispositivos para este fim, devendo ser escolhido o que mais se adapte a anatomia do paciente sendo também muito importante que o intervencionista tenha experiência com sua utilização.


Oclusão percutânea de Comunicação Interventricular

A técnica de oclusão de defeitos no septo interventricular é complexa do ponto de vista técnico e esta complexidade de estende a suas indicações.
Nos dias de hoje, a cirurgia é a técnica de escolha para lactentes com defeitos grandes e com peso abaixo de 5.5 kg.
Os dispositivos existentes, embora com estrutura delicada, trafegam em cateteres calibrosos e rígidos, os quais podem reduzir o débito cardíaco em lactentes com  insuficiência cardíaca.
Os pacientes restantes tem defeitos menores e apresentam superfície corporal adequada para a técnica. No entanto, as indicações para fechamento de CIV nestes pacientes são pouco frequentes: pós-endocardite, sobrecarga volumétrica do ventrículo esquerdo e Qp/QS > 1.5.
Outro aspecto que merece consideração é o desenvolvimento de distúrbio avançado da condução AV que pode levar a necessidade de implante de marca-passos definitivo.  A taxa reconhecida desta complicação é de 3-4%, existindo o risco de desenvolvimento tardio do BAVT, assim como acontece na cirurgia.


Implante de Valva Pulmonar

Certamente, a novidade mais excitante nesta área é a possibilidade de implante percutâneo de valva pulmonar.
Ainda passível apenas de utilização em pacientes submetidos a cirurgia para interposição de condutos entre o ventrículo direito e a artéria pulmonar, esta opção terapêutica comprovadamente reduz o número de cirurgias neste grupo de pacientes. Existem dois dispositivos no mercado, um (Melody™), desenvolvido especificamente para este fim e outro (Valva Edwards-Sapien™), trazido da experiência do tratamento da valva aórtica.
Ambos dispositivos, prestes a serem autorizados para uso no país, são a mais nova fronteira de desenvolvimento nesta área e já apresentam resultados muito sólidos após anos de uso no exterior.



O cateterismo intervencionista mudou definitivamente e para melhor, o cenário do tratamento das cardiopatias congênitas.
A grande maioria das crianças pode, nos dias de hoje ter paliação inicial ou tratamento definitivo através das técnicas percutâneas.
A redução na morbidade cumulativa destes paciente, visto a maioria dos pacientes com cardiopatias complexas necessitar vários procedimentos durante a vida, bem como sua reduzidíssima mortalidade, além do impacto psicológico positivo sobre esta população, tornaram esta técnica como atrativa tantos aos pacientes como a suas famílias e, também, a seus cardiologistas.

* Chefe do Serviço de Cardiologia Intervencionista em Cardiopatias Congênitas do Instituto de Cardiologia do RS.


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