quinta-feira, 10 de maio de 2012

Hipoglicemia Neonatal


Manoel Antonio da Silva Ribeiro*

Não existem justificativas embasadas científicamente para apoiar qualquer definição para hipoglicemia neonatal, assim como, nenhum limite único ou intervalo de valores glicêmicos podem prever quais bebês irão sofrer sintomas ou lesão neurológica permanente como resultado da hipoglicemia neonatal. Dentre as várias definições na literatura, a mais utilizada é a presença de glicemia < 45 mg/dl.
Toda a glicose fetal provém da mãe. A glicose representa 60-70% das necessidades energéticas do feto e a glicemia fetal representa 2/3 da materna. Com o clampeamento do cordão, o aporte de glicose cessa abruptamente, fazendo com que o recém-nascido tenha que utilizar suas próprias reservas. O nadir da glicemia acontece por volta de duas horas de vida e, com 3 a 4 horas atinge valores de 60 a 70 mg/dL. Níveis de glicemia de recém-nascidos saudáveis podem ser tão baixos quanto 30 mg/dL ​​nas primeiras duas horas após o nascimento, de forma transitória e assintomática, como parte desta adaptação pós-natal. Entretanto, a maioria dos recém-nascidos normais podem compensar esta hipoglicemia “fisiológica” com combustíveis alternativos para o cérebro, como os corpos cetônicos liberados pela gordura.
Diagnóstico
- Método da glicose-peroxidase por espectrofotometria: é o padrão-ouro, é mais preciso mas tem a desvantagem de ser mais demorado, o que pode levar um atraso no tratamento. Os valores plasmáticos são aproximadamente 10-18% maiores que o valor observado no sangue.
- Fitas reagentes para determinação da glicemia capilar: são amplamente difundidas e utilizadas porque permite uma rápida obtenção do resultado. Porém, há muitas limitações com este método. Estas fitas poderão apresentar uma variação de 10-20 mg/dL quando comparada à glicemia plamática, apresentando uma discordância maior quanto menor a glicemia do recém-nascido. Além disso, a utilização de técnicas mal empregadas, especialmente a punção de uma extremidade não aquecida e/ou a expressão manual acentuada para obtenção da amostra, pode fazer com que leituras muitos baixas sejam encontradas.
Indica-se, na suspeita de hipoglicemia neonatal determinada pelas fitas reagentes, realizar a coleta de uma amostra sanguínea para a confirmação laboratorial. No entanto, o tratamento não deve ser adiado, não se devendo aguardar a confirmação laboratorial.
Screening
Recomenda-se que a triagem e o tratamento para os baixos níveis de glicose no sangue neonatal devem ser feitos em recém-nascidos sabidamente de risco ou que apresentem sinais clínicos de hipoglicemia. Os recém-nascidos definidos como de risco são os pequenos para a idade gestacional (PIG), os prematuros tardios (idade  gestacional entre 34 e 366/7 semanas), os grandes para a idade gestacional (GIG) e filhos de mães com diabetes. Acrescenta-se a este grupo, todo recém-nascido internado em UTI neonatal, especialmente em casos de prematuridade, asfixia neonatal, exsanguineo-transfusão (EST) e em NPO prolongado.
Os recém-nascidos ​​a termo saudáveis, com uma gestação normal e parto sem intercorrências, não precisam de monitoramento rotineiro da glicemia. Nestes  recém-nascidos, a mensuração da glicemia só deve ser realizada caso haja manifestações clínicas.
A triagem deve ser feita nas primeiras horas de vida para os recém-nascidos do grupo de risco. Aconselha-se iniciar a alimentação na primeira hora de vida e realizar a testagem trinta minutos após. Mantém-se a triagem sempre antes de cada alimentação, a qual ocorre a cada 2 a 3 horas, até a 24ª hora de vida. A triagem deve ser continuada além deste período caso os valores estiverem <45mg/dL. Para os  recém-nascidos prematuros tardios e os PIG, recomenda-se que se realize a monitorização da glicemia a cada 6 horas entre 24- 72 horas de vida, uma vez que a reserva de glicogênio hepático pode estar muito reduzida e ficarem predispostos a desencadear hipoglicemia tardia.

Sinais clínicos
Não são específicos e incluem uma ampla gama de manifestações locais ou generalizadas que são comuns em recém-nascidos doentes, tornando importante o rastreio de outros possíveis distúrbios subjacentes, (como por exemplo, infecções), além da hipoglicemia. As manifestações que podem ser observadas são: tremores, agitação, cianose, convulsões, apneia, taquipneia, choro fraco ou estridente, letargia e recusa alimentar.

Causas de hipoglicemia neonatal
- Reservas fetais diminuídas de glicose: PIG, CIUR, prematuridade, taxa calórica inadequada, retardo no início da alimentação.
-Hiperinsulinismo: filhos de mães diabéticas, GIG, sindrome de Beckwith-Wiedeman, Nesidiobalstose, cateter arterial mal posicionado, EST, interupção abrupta de infusão de altas taxas de glicose IV.
- Aumento do consumo de glicose pelo recém-nascido: estresse (sepse, choque, asfixia perinatal), insuficiência respiratória, policitemia, distúrbios do metabolismo dos carboidratos e dos amino-ácidos, endocrinopatias, EST.

Tratamento
Em 2011, a AAP emitiu um guia para triagem e tratamento da hipoglicemia em  recém-nascidos prematuros tardios, a termo PIG, GIG ou filhos de mães diabéticas, conforme descrito no quadro: 

Triagem e manejo da homeostasia da glicose em recém-nascidos prematuros tardios e a termos PIG, GIG e filhos de mães diabéticas

Fonte (modificado): Adamkin DH, Committee on Fetus and Newborn. Postnatal glucosis homeostasis in late preterm and term infants. Pediatrics 2011; 127:575-9. Disponível em: http://pediatrics.aappublications.org/content/127/3/575.full.html

Nos assintomáticos a alimentação enteral não deve ser suspensa. Caso o recém-nascido ainda não consiga ser alimentado, indica-se o uso de gavagem. 

Nos recém-nascidos que necessitaram de glicose IV, recomenda-se após a conduta inicial:
1.    Monitorizar glicemia nos que receberam glicose IV a cada 15 a 30 min até a estabilização. Naqueles em que não foi necessária a infusão de glicose, manter a monitorização de rotina.
2.    Se não houver aumento da glicemia: repetir bolus, conforme indicado no quadro e AUMENTAR A ­ TIG 1-2 mg/Kg/min, ajustando o volume infusão conforme o volume diário ofertado e a concentração da glicose, até atingir a TIG = 12 mg/Kg/min.”
3.    Se glicemia estável  (50-70 mg/dl): ¯ TIG em 1 mg/kg/min a cada 3-4h.
4.    Suspender infusão de glicose quando  TIG = 1 mg/kg/min e glicemia estável.
 Se a glicemia persistir <45 mg/dl após 24 horas de infusão de glicose, devemos suspeitar de hiperinsulinismo. Nesta situação, deve ser determinado o valor da insulina sérica coletada em hipoglicemia (<40mg/dl).
Nos casos de hipoglicemias persistentes, que não responde à infusão de glicose pode se optar pelas seguintes drogas:
i)                 Hidrocortisona: 5 mg/Kg/dose – 12/12h – IV (se estiver recebendo TIG ≥ 12 mg/kg/min). Age reduzindo a utilização periférica da glicose, aumenta a gliconeogenese e aumenta o efeito do glucagon.
ii)                Diazóxido: 5-8 mg/kg/dia, dividido em doses a cada 8-12h – VO. É um inibidor da secreção de insulina e aumenta a liberação de catecolaminas. Indicado para hiperinsulinismo persistente. Pode levar até 5 dias para ter efeito.
iii)               Octreotide: 5-20 mcg/kg/dia, dividido em doses  a cada 6-8h – SC. É um análogo de longa duração da somatostatina que inibe a secreção de insulina. Indicado quando o Diazóxido não tem sucesso para controlar a glicemia.
iv)               Glucagon:  0,025-0,2mg/kg –(máx 1mg) - IM, SC ou IV . Indicado para os recém-nascidos hipoglicêmicos com boa reserva de glicogênio. O efeito é transitório, devendo-se usar glicose IV associada.


Leituras sugeridas:
1 Adamkin DH, Committee on Fetus and Newborn. Postnatal glucosis homeostasis in late preterm and term infants. Pediatrics 2011; 127:575-9. Disponível em: http://pediatrics.aappublications.org/content/127/3/575.full.html
2 Kalhan SC, Parimi PS. Disorders of carbohydrate metabolism. In: Fanaroff AA, Martin RJ, editors. Neonatal-perinatal medicine: diseases of the fetus and infant. 7th ed. St Louis: Mosby; 2011.
 3 Wilker RE. Hypoglycemia and hyperglycemia. In: Cloherty JP, Eichenwald EC, Stark AR, editors. Manual of neonatal care. 7th ed. Philadelphia: Lippincott; 2010. p.284-96.

*Neonatologista do Sraff da UTI Neonatal do Hospital São Lucas da PUCRS;  Coordenador da RGN

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