quinta-feira, 12 de julho de 2012

Hiperplasia adrenal congênita ou Síndrome adreno-genital


 Artigo gentilmente cedido pelos Dr. Eurico Camargo Neto e Dra. Fabiana Amorin do CTN Diagnósticos.

CONCEITO: A hiperplasia adrenal congênita é causada pela deficiência total ou parcial de enzimas envolvidas na síntese de corticóides pela glândula adrenal (ou supra-renal). Diversos distúrbios são conhecidos, sendo mais comum (90%) a deficiência da enzima 21-hidroxilase. 

IDADE DE APARECIMENTO DOS SINTOMAS: As meninas afetadas podem ser detectadas ao nascimento pelo aspecto virilizado da genitália, mas os sintomas relacionados com o desequilíbrio hidroeletrolítico geralmente se manifestam a partir da segunda ou terceira semanas de vida. Não são raras manifestações mais tardias em casos de deficiência parcial da 21-hidroxilase ou de outras enzimas da rota biossintética de mineralocorticóides. 

SINTOMAS CLÍNICOS: A deficiência de 21-hidroxilase pode ser manifestada em formas clássica e não-clássica (com ou sem perda de sal). A forma clássica virilizante é acompanhada de masculinização da genitália externa em meninas (grandes lábios enrugados e por vezes fundidos, clitóris hipertrofiado, área genital pigmentada), podendo ser assintomática em meninos, ao nascimento. A forma clássica é acompanhada de perda de sal, causando desequilíbrio hidroeletrolítico, tanto em meninos quanto em meninas. As formas não-clássica são uma variante atenuada da doença que, em meninas não diagnosticadas e tratadas adequadamente, apresentam hirsutismo, amenorréia e infertilidade.

COMPLICAÇÕES: A exposição continuada ao excesso de esteróides virilizantes pode ocasionar o aumento progressivo do clitóris ou do pênis, aparecimento de pêlos faciais, axilares e pubianos, acne, aumento da massa muscular, aceleração do crescimento e da maturação óssea em relação à idade cronológica, resultando na diminuição da estatura final do paciente. Na forma perdedora de sal, tanto meninos quanto meninas podem apresentar, em função dos baixos níveis de mineralocorticóides, desidratação e desequilíbrio hidroeletrolítico agudo, que podem ser graves a ponto de levar ao óbito se não tratados. 

ETIOLOGIA: A deficiência de 21-hidroxilase é herdada de modo autossômico recessivo, havendo algumas exceções. A base molecular para esta deficiência é a deleção do gene, localizado no cromossomo 6, que codifica a proteína citocromo P-450c21. Geralmente, um mesmo tipo de manifestação clínica é encontrado nas famílias com múltiplos casos da doença. 

PATOGÊNESE: Na forma virilizante simples, a deficiência da 21-hidroxilase interrompe o processo de síntese do cortisol na etapa metabólica de hidroxilação da 17-a-hidroxiprogesterona. A baixa concentração de cortisol serve como um sinal metabólico para uma maior secreção de ACTH, o que estimula a supra-renal a produzir mais hormônios, aumentando os níveis de precursores do cortisol como a 17-a-hidroxipregnenolona e a 17-a-hidroxiprogesterona, os quais são então desviados para a rota de síntese de esteróides com efeito androgênico, provocando virilização. Na forma perdedora de sal, a deficiência da 21-hidroxilase impede também a formação da aldosterona, levando à incapacidade de retenção de sódio, à severa desidratação e ao óbito, se não identificada imediatamente. 

DIAGNÓSTICO: Na deficiência de 21-hidroxilase, o diagnóstico laboratorial baseia-se na elevação dos níveis séricos dos precursores do cortisol, especialmente a 17-a-hidroxiprogesterona, com cortisol diminuído ou mesmo normal. A quantificação de 17-a-hidroxiprogesterona nos primeiros dias de vida é considerada o indicador mais importante para o diagnóstico precoce. A avaliação dos níveis dos eletrólitos (sódio e potássio) é também importante para a identificação da forma perdedora de sal. 

FREQUÊNCIA CTN: 1/7.887

PREVENÇÃO: A freqüência relativamente alta da hiperplasia adrenal congênita e a possibilidade da instituição precoce de um tratamento eficiente justificam a realização da triagem neonatal, a qual pode ser feita através da dosagem de 17-a-hidroxiprogesterona no sangue colhido em papel-filtro.

DETECÇÃO DE PORTADORES: É possível através de técnicas de biologia molecular, identificando-se mutações presentes em indivíduos afetados da mesma família. 

DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL: Pode ser realizado entre a 14a e a 20a semana de gestação, através da dosagem de 17-hidroxiprogesterona no líquido amniótico, desde que os valores de referência tenham sido previamente estabelecidos pelo laboratório, de acordo com a idade gestacional. Exames moleculares realizados em vilo corial permitem o diagnóstico na 10a semana de gestação. 

TRATAMENTO: A suplementação de cortisona bloqueia a liberação de ACTH, diminuindo a síntese de hormônios androgênicos relacionados com a virilização. Medidas cirúrgicas de caráter plástico auxiliam a recompor o aspecto anatômico da genitália nas meninas afetadas. Na forma perdedora de sal, a administração de mineralocorticóides corrige o desequilíbrio hidroeletrolítico, que deve ser, no entanto, continuamente monitorizado. O tratamento deve ser mantido por toda a vida. 

PROGNÓSTICO: Quando o diagnóstico é feito precocemente, o tratamento é instituído de forma correta e adequadamente monitorizado, o prognóstico é muito bom. 

OBSERVAÇÕES: Casais que tiveram um filho do sexo masculino falecido nas primeiras semanas de vida por quadro de desidratação de causa inexplicada devem ser encaradas como de risco de terem uma criança com hiperplasia adrenal congênita em uma nova gestação. 

REFERÊNCIAS:
1. Donohove, P. A.; Parker, K.; Migeon, C. J. Congenital Adrenal Hyperplasia. In: Scriver, C. R.; Beaudet, A. L.; Sly, W. S.; Vale, D., eds. The Metabolic and Molecular Bases of Inherited Diseases, McGraw Hill, New York, 7th ed., 1995.
2. Silva, I. N.; Chagas, A. J.; Cordeiro, J. G. Hiperplasia Congênita da Supra-Renal na Infância. Revisão. Jornal de Pediatria, 65(8): 287-293, 1989.

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