terça-feira, 31 de julho de 2012

Injúria renal aguda


Dra. Denise Marques Mota (nefrologista pediátrica)

Apesar do aumento da taxa de sobrevida de recém-nascidos criticamente doentes, as taxas de mortalidade e morbidades ainda permanecem altas. O componente neonatal é responsável por mais de 60% das mortes no primeiro ano de vida (mortalidade infantil). O primeiro ambiente do neonato é o intrauterino, que deve ser mantido até o termo, seguido pelo ambiente da UTI, que não é adequado ao desenvolvimento glomerular, especialmente nos prematuros que ainda não completaram a nefrogênese (ao redor de 36 semanas se completa).
A injúria renal aguda (IRA) é um distúrbio complexo, com manifestações variadas que vão de uma leve disfunção, muitas vezes não diagnosticada, até  anúria com necessidade de métodos dialíticos. A IRA é uma síndrome clínica onde ocorre diminuição súbita da taxa de filtração glomerular (TFG) por um período de horas a dias, acompanhada de acúmulo de produtos nitrogenados e distúrbios da homeostase. Os critérios diagnósticos ainda não estão definidos em neonatos, mas geralmente utilizamos duas alterações funcionais: creatinina sérica (marcador da TFG) e a oligúria. Ambos aparecem tardiamente, não sendo marcadores de injúria renal e sim de alterações já estabelecidas na função renal. A incidência nas unidades de tratamento intensivo neonatal é ao redor de 8-23%, com alta mortalidade (33-78%) que apresenta correlação com severidade da doença de base. Nos recém-nascidos <1500g o risco é maior (79% dos pacientes com IRA) assim como na asfixia neonatal (30-56%).
O rim neonatal apresenta algumas características que o tornam mais susceptível ao dano, tais como pressão arterial média baixa, fluxo sanguíneo renal baixo e resistência vascular renal alta. O sistema renina angiotensina e as prostaglandinas regulam o fluxo sanguíneo renal e as alterações hemodinâmicas que ocorrem ao nascimento e no período neonatal precoce podem levar a um prejuízo nesta auto regulação.
A etiologia da IRA pode ser dividida em pré-renal (nefropatia vasomotora: 85%), renal (parenquimatosa: 11%) e pós-renal (obstrutiva: 3%). Os fatores de risco mais comuns são hipovolemia, hipotensão arterial, hipertensão arterial, hipoperfusão renal, hipoxemia, drogas, infecções e acidose. Podemos antecipar o risco avaliando dados maternos (hipóxia intrauterina, hipoperfusão por alterações placentárias, hipotensão materna, sangramento materno e parto prolongado) e características dos recém-nascidos (prematuridade, anóxia neonatal, RN de mãe diabética, membrana hialina, septicemia, uso de ventilação mecânica e medicamentos nefrotóxicos (indometacina, aminoglicosídeos, ibuprofeno, furosemida, anfotericina) e doenças do grupo TORCHS).
Não há consenso em relação ao diagnóstico, mas utilizamos uma dosagem de creatinina acima de 1,5mg/dl ou aumentando pelo menos 0,2-0,3mg/dl por dia ou falha em diminuir na primeira semana de vida (RN a termo). A monitorização da creatinina é muito importante em todas as crianças em unidades de terapia intensiva. Deve-se suspeitar de IRA em neonatos com oligúria <0,5ml/kg/hora após o primeiro dia de vida, nos aumentos da creatinina >0,3mg/dia ou a não diminuição após 1 semana de vida. Os prematuros apresentam aumento da creatinina na primeira semana de vida e redução gradual, o que torna o diagnóstico mais tardio.
As alterações laboratoriais são decorrentes da falha do rim em manter a homeostase e se manifestam como aumentos na creatinina, uréia, ácido úrico, potássio, fósforo e cloro (que pode estar diminuído) e diminuição de sódio, cálcio e bicarbonato.
Medidas preventivas em todos os neonatos podem proteger o rim, tais como o rígido controle do balanço hídrico, a utilização prudente e racional de medicações com ajustes dos intervalos de acordo com a função renal, a avaliação da densidade urinária, o controle da pressão arterial, da gasometria e da creatinina. O controle de pressão arterial deve ser realizado na rotina da UTI e devemos usar as tabelas de valores de normalidade de acordo com a idade gestacional e pós-conceptual  para avaliação, diagnóstico e tratamento adequado.
A proteção farmacológica pode ser realizada com teofilina (antagonista da adenosina) que reverte a vasoconstrição causada pela hipoxemia e melhora função renal em RN com membrana hialina na dose de 1mg/kg EV nos primeiros 2 dias de vida e  com 8mg/kg  na primeira hora de vida nos anoxiados.
Após a instalação de IRA o tratamento é voltado para as alterações dos distúrbios hidroeletrolíticos, acidobásicos e da patologia de base. As indicações de diálise são por sobrecarga de volume, hipercalemia (não responsiva às medidas convencionais), acidose metabólica severa, hiperfosfatemia/hipocalcemia, necessidade de nutrição e drogas e falha do tratamento conservador. Uma ecografia renal e de vias urinárias deve ser realizada sempre para avaliação de malformações renais e de trato urinário que podem ser as causadoras do quadro de IRA.
O acompanhamento deve ser realizado após alta hospitalar durante o primeiro ano de vida pelo risco de deterioração renal, sendo que ao redor de 40% podem permanecer com disfunção residual.
A prevenção da prematuridade e o atendimento adequado na sala de parto diminui a mortalidade infantil e previne uma parcela significativa de IRA.

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