quarta-feira, 6 de junho de 2012

Infecção Urinária

Clotilde Druck Garcia
Infecção do trato urinário (ITU) é uma doença comum em crianças, com prevalência global que varia de 2% a 8% ao longo da infância. Ela pode ser associada  a longo prazo  com seqüela de cicatrizes renais, que pode causar hipertensão, proteinúria, complicações relacionadas a gravidez, ou até mesmo insuficiência renal crônica.

O risco de ITU recorrente em crianças tem sido estimada em 12-30% nos primeiros 6-12 meses após a UTI inicial. Os fatores predisponentes para recorrência incluem refluxo vesico-ureteral e  distúrbio de eliminações. Escherichia coli continua a ser o organismo mais comum causador de UTI em crianças (60 - 92%). Outros organismos comuns incluem Klebsiella, Proteus, Enterococcus, e Enterobacter. A patogênese da ITU é de uma infecção ascendente a partir de organismos periuretrais. Fatores que contribuem para a infecção incluem virulência de bactérias, bem como mecanismos de defesa do hospedeiro.

A diferenciação clínica da localização da ITU é importante. As manifestações clínicas da infecção urinária são também dependentes da idade. Em lactentes e crianças, a febre é de especial importância como um marcador clínico do envolvimento do parênquima renal (pielonefrite). Conforme reconhecido pela Academia Americana de Pediatria (AAP), a presença de febre alta (≥ 39 ° C) com diagnóstico clínico de infecção urinária é um importante indicador de pielonefrite em comparação com nenhuma febre (≤ 38 ° C) em pacientes com cistite. Testes indiretos de inflamação [VSG e proteína C-reativa elevada (PCR)] podem sugerir pielonefrite. A utilização de cintilografia renal com DMSA para diferenciar o local da infecção é também útil. Diagnosticar ITU requer a coleta adequada de amostra de urina não contaminada para análise e cultura. Recomenda-se coletar a urina de maneira limpa.  Em lactentes e crianças sem controle miccional, a urina deve ser obtida por punção suprapúbica ou por sondagem vesical. Coleta de urina com saco coletor não tem nenhum valor para o diagnóstico de ITU, devido ao alto risco de contaminação.  O exame da urina pode sugerir ITU como a presença de esterase leucocitária  e / ou nitrito e leucocitúria. A cultura de urina continua a ser o padrão de referência para diagnóstico de ITU. No entanto, como exige um mínimo de 18 horas antes de um resultado ser conhecido, os testes rápidos são muitas vezes utilizados para orientar a conduta inicial.

A bacteriúria assintomática é definida como o crescimento de um número significativo de um único organismo [> 100.000 unidades formadoras de colônia (UFC) / ml] de uma amostra de urina de uma criança assintomática sem piúria. Muitas vezes, é um achado incidental e pode ser demonstrada em culturas de urina de repetição. A bactéria isolada é de baixa virulência que coloniza o trato urinário e não tem significativa capacidade de danificar os rins, portanto não deve ser tratada. A bacteriúria assintomática também é observada em crianças com bexiga neurogênica, particularmente se o paciente está em cateterismo intermitente limpo, mas os estudos não mostraram um maior risco de cicatriz renal ou a necessidade de antibióticos profiláticos

Tratamento
O tratamento da ITU depende da localização da infecção (cistite vs pielonefrite), idade do paciente, gravidade da apresentação.

Terapia oral versus parenteral

 Uma revisão Cochrane de 2007, mostra nenhuma diferença significativa no  desfecho dano renal persistente em 6 a 12 meses e também duração da febre entre administração antibioticoterapia por via oral por 10 - 14 dias comparando com administração por via intravenosa (IV), por 3 dias seguidos com terapia oral durante 10 dias.  A escolha  da via de administração portanto fica na dependência do estado geral da criança.
As cefalosporinas de segunda  geração podem ser tratamento de primeira linha para pielonefrite. Alternativas como amoxicilina-clavulanato, trimetoprim-sulfametoxazol (TMP-SMX), e cefalosporinas de primeira geração devem ser usados com cautela, devido à crescente resistência da E. coli. No nosso meio a resistência é superior a 30%. Fluoroquinolonas (ciprofloxacina) são eficazes para E. coli, mas não devem ser utilizados como agentes de primeira linha, devido à sua segurança questionável em crianças. A ciprofloxacina deve ser reservada para ITU causada por P. aeruginosa ou outras multi-resistentes a drogas organismos.

A terapia parenteral com cefalosporina de segunda geração ou aminoglicosídeos são adequados para o tratamento empírico inicial. Como os aminoglicosídeos são nefrotóxicos tem um tempo de uso limitado, e não devem ser indicados aos pacientes com insuficiência renal. Depois do resultado da urocultura, o tratamento antibiótico deve ser ajustado de acordo com a sensibilidade do agente bacteriano identificado.


Profilaxia
O papel de RVU em causar ITU e o uso de profilaxia antimicrobiana para prevenir ITU com e sem RVU é controverso. Independentemente disso, o uso de profilaxia antimicrobiana tem sido uma prática padrão para muitas décadas. Em 2006, foi realizada uma revisão no Cochrane por Williams et al. [50]  avaliando os antibióticos profiláticos em comparação com placebo ou nenhum tratamento para prevenir a ITU de repetição. Esta análise mostrou que os antibióticos diminuiram o risco de urocultura positiva em comparação com placebo. No entanto, os autores concluíram que mais provas sob a forma de ensaios clínicos randomizados adequadamente duplo-cegos são necessários para apoiar o uso rotineiro de profilaxia antibiótica na prevenção da recorrência UTI.  A resistência antimicrobiana é uma grande preocupação com a profilaxia antibiótica. Vários estudos tem questionado o uso de profilaxia. Mas o que chama a atenção é que estes estudos tem utilizado profilaxia com sulfas ou amoxicilina, que sabemos ter alta resistência. Até mais trabalhos científicos serem realizados,  o médico deve ser cauteloso quando tratar crianças com fatores de risco para ITU recorrente, incluindo RVU. O médico deve decidir se o benefício do uso de antibióticos supera o risco e quando a intervenção cirúrgica pode ser uma opção preferida. A escolha de profilaxia  antimicrobiana inclui em especial uso de nitrofurantoína que tem uma boa sensibilidade e mantem este padrão por muitos anos.

Investigação
 A justificativa para a investigação com imagem é identificar fatores de risco e anormalidades do trato geniturinário que podem ser modificados para diminuir a probabilidade de ITU de repetição e cicatriz renal.

Ultrassonografia

A ultrassonografia dos rins e bexiga (USRB) é útil para a detecção de abscesso renal, hidronefrose, resíduo vesical, anomalias congênitas, e algumas vezes cálculos. Tem uma menor sensibilidade para o diagnóstico de pielonefrite do que o DMSA. Uma ecografia normal afasta a possibilidade de uma uropatia obstrutiva.

Uretrocistografia  miccional
Uretrocistografia miccional (UCM) é a principal modalidade de diagnóstico para identificar o refluxo vesico-ureteral (RVU). Pode ser realizada imediatamente após o tratamento com antibiótico. Exige cateterização urinária. A UCM avalia além do RVU, a anatomia da bexiga e uretra.

Cintilografia renal com DMSA
DMSA é o padrão ouro para o diagnóstico de pielonefrite aguda e cicatrizes renais. Quando usado no momento da ITU febril, pode ajudar a confirmar pielonefrite aguda. No entanto, não distingue lesões que podem resolver espontaneamente daqueles que ficará como uma cicatriz renal. Por estas razões,  um período de 6 meses é necessário para avaliar se as lesões são reversíveis ou já são consideradas cicatriz renal.

Justificativa para imagem
A melhor abordagem para os estudos de imagem em crianças com ITU é discutível. A  Academia Americana de Pediatria (AAP), em sua publicação de diretrizes em 1999, recomenda USRB e UCM para ser realizada em qualquer lactente ou criança (2 meses a 2 anos de idade) depois de uma ITU. Em 2007, em um esforço para reduzir a carga de imagens de ITU uma força tarefa  do Instituto Nacional de Saúde e Excelência Clínica (NICE) da Grã-Bretanha publicou as suas recomendações sobre uma abordagem mais seletiva para a imagem renal após ITU. A Estas recomendações baseiam-se principalmente da idade do paciente, na resposta ao tratamento anti-bacteriano, e ITU  típica versus atípicas. No entanto, um argumento tem sido feito que esta abordagem muito seletiva pode levar ao retardo do diagnóstico do RVU e anomalias congênitas nas crianças. Uma abordagem sugerida seria substituir a UCM por  uma triagem com  DMSA  (abordagem top-down); a UCM seria realizada se ultra-som ou DMSA forem anormais. AAP em sua publicação de 2011, sugere realizar UCM somente se a USRB for alterado ou houver repetição de ITU febril.  Uma resposta mais definitiva para a questão da investigação por imagem, ainda está faltando, e são necessárias mais provas para validar qualquer das atuais abordagens sugeridas. O médico deve estar ciente das opções disponíveis de imagem renal e individualizar a investigação, que depende da idade do paciente, da gravidade do quadro clínico, presença ou ausência de cicatriz renal, e frequência de ITU.

CONCLUSÃO
ITU é uma infecção comum em crianças, com um risco potencial de complicações, como cicatrizes renais. O diagnóstico de ITU e um tratamento adequado é muito importante. Devemos tratar  o episódio agudo, bem como prevenir as recorrências. USRB após uma primeira  ITU é útil no diagnóstico de algumas anomalias congênitas subjacentes que aumentam o risco de recorrência e que podem precisar de intervenção cirúrgica. O DMSA precoce pode confirmar pielonefrite e o tardio diagnostica cicatrizes. A UCM fica reservada em casos de suspeita de RVU ou válvula de uretra posterior. As decisões relativas a profilaxia ou intervenção cirúrgica em crianças é principalmente baseado na idade do paciente, gravidade RVU, presença de cicatriz renal, freqüência de ITU, e disfunção miccional.

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA
The Diagnosis, Treatment, and Evaluation of the Initial Urinary Tract Infection in Febrile Infants and Young Children Pediatrics 1999;103:843-852
Tullus, K. What do the latest guidelines tell us about UTIs in children under 2 years of age. Pediatr Nephrol (2012) 27:509–511
Mori R, Lakhanpaul M, Verrier-Jones K  Diagnosis and management of urinary tract infection in children: summary of NICE guidance. Br Med J 2007: 335:395–397
Saadeh SA & Mattoo, TK Managing urinary tract infections, Pediatr Nephrol 2011: 26:1967-76
Urinary tract infection: clinical practice guideline for the diagnosis and management of the Initial UTI in febrile infants and children 2 to 24 months. Pediatrics. 2011, 595-609

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