segunda-feira, 18 de junho de 2012

Meningite neonatal


Ilson Enk

A meningite neonatal (MN) é entidade clínica decorrente de processo infeccioso nas meninges, diagnosticada entre o nascimento e o 28º dia de vida. Em nosso meio, sua incidência varia de 0,3 a 1 caso por 1000 nascidos vivos, sendo maior que a de países desenvolvidos, onde oscila entre 0,2 e 0,5 em 1000 nascidos vivos.
A meningite neste período constitui entidade singular, uma vez que a etiologia, o quadro clínico e as complicações são diferentes do observado nas demais idades.
Os agentes infecciosos chegam ao sistema nervoso central (SNC) mais comumente por via hematogênica, fator que associa a meningite com bacteremia ou septicemia em 75%, ou mais, dos casos. A MN ocorre em até 15% dos RN com bacteremia. Infere-se portanto que os patógenos que causam a sepse neste período são os mesmos responsáveis pelas meningites.

ETIOLOGIA

A idade do neonato pode sugerir a forma de aquisição e o agente etiológico da meningite: na primeira semana de vida considera-se fortemente a possibilidade de doença de transmissão vertical, por germes da flora materna: Streptococcus do grupo B, Escherichia coli e Listeria monocytogenes. Passado este período, os germes são adquiridos na comunidade ou do ambiente hospitalar, dependendo do perfil do paciente, se estava ou não hospitalizado. Passa-se então a cogitar de outros Gram-negativos e/ ou espécies de Staphylococus.
Embora Haemophilus influenzae tipo B, pneumococos e meningococos possam eventualmente afetar recém-nascidos (RNs), são relativamente raros, em contraste com suas altas incidências após o período neonatal.
Os germes mais identificados nas meningites de transmissão não vertical, ocorrendo após a primeira semana de vida, são: Streptoccocus grupo B em manifestação tardia, (especialmente tipo III), Escherichia coli (80% das vezes com antígeno K1), Listeria monocytogenes e, menos frequentemente outros organismos gram negativos (espécies de Klebsiella, Enterobacter e Pseudomonas). Mais raremente, podem determinar meningite: Flavobacterium meningosepticum, Citrobacter, Staphiloccocus epidermidis e aureus Estes dois últimos, juntamente com agentes fúngicos, em geral estão associados a situações específicas, como lesões abertas, derivações ventrículoperitoniais, ventilação mecânica e prematuridade com hospitalização prolongada.

FATORES DE RISCO

Normalmente, na presença de bolsa íntegra, o feto desenvolve-se em ambiente estéril, adquirindo flora bacteriana somente após o nascimento. Aspectos maternos, perinatais e próprios do RN podem predispor a colonizações anormais e processos infecciosos:

·       Prematuridade
·       Baixo peso ao nascer
·       Gemelaridade
·       Asfixia perinatal
·       Ruptura prematura de membranas
·       Febre materna periparto
·       Corioamnionites
·       Infecções maternas do trato urinário ( ITUs)
·       Malformação do SNC e colocação de válvula ventrículo-peritonial.

Naturalmente a ocorrência de bacteremia ou septicemia neonatal, precoce ou tardia, representa o mais fator de risco, por invasão do agente infeccioso no SNC.

ACHADOS CLÍNICOS

Como na maioria das afecções deste período, os sinais e sintomas da MN são inespecíficos, superpondo-se aos de infecção sistêmica neonatal:

·       Instabilidade térmica
·       Irritabilidade ou letargia
·       Tremores, alterações de tônus muscular, crises convulsivas
·       Intolerância alimentar, vômitos
·       Apnéia, desconforto respiratório
·       Bradicardia

Sinais neurológicos clássicos de irritação meningorradicular não costumam ser identificados. Portanto, toda investigação de sepse deve incluir a pesquisa de líquido  cefalorraquidiano (LCR), sendo a punção lombar (PL) um procedimento essencial para a precocidade diagnóstica da MN.

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico de certeza para MN é a cultura positiva do LCR. As alterações de celularidade, proteínas e glicose no LCR, no entanto, são aceitas para estabelecer o diagnóstico e o tratamento:
§  Aumento dos leucócitos (> 30 células/microlitro) com predomínio de polimorfonucleares (neutrófilos).
§  Aumento das proteínas (> 150 mg/ dl no prematuro e > 100 mg/ dl no RN a termo). Se houver proteínas aumentadas sem aumento de células, descartar abcesso cerebral, TORCH e hemorragia intracraniana.
§  Diminuição da glicose (< 20 mg/ dl no prematuro e < 30 mg/ dl no RN a termo): correlacionar com glicemia.
Nenhuma fórmula para correção de hemorragia no liquor é confiável: frente a presumidos acidentes de punção, individualizar a conduta, provavelmente repetindo a PL em 24- 48 h..
Os exames de imagem (ultrassonografia, tomografia computadorizada, ressonância magnética) podem ser utilizados para descartarem outras patologias ou complicações, como abscessos, hidrocefalia, coleção subdural, vasculites, trombose e hemorragia.

TRATAMENTO

Antibioticoterapia –
Meningite precoce (primeira semana de vida):
Ampicilina + Gentamicina

Se houver forte suspeita de meningite por gram negativo (ex: gram do liquor com gram negativo) usar Ampicilina + Gentamicina (*) + Cefotaxima (***) ou Cefepime, até resultado de antibiograma.


Meningite tardia (após a primeira semana de vida):
RN hospitalizado – Cefotaxima (***) ou Cefepime + Vancomicina (**) + Amicacina (*)
RN não hospitalizado – Ampicilina + Gentamicina (*) + Cefotaxima (***) ou Cefepime.

 (*) o uso de aminoglicosídeo associado depende do protocolo da cada serviço.
(**) dose ajustada para penetração no SNC)
(***) lembrar alto potencial de indução de resistência bacteriana.

Duração do tratamento –
Regra geral :21 dias.
Pode ser reduzido para 14 dias na MN por estreptococcus B, estafilococcus coagulase negativa ou Listeria.

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