terça-feira, 7 de agosto de 2012

Distúrbios respiratórios durante o sono na criança


Dra. Simone Fagondes (*) 

Introdução
Os distúrbios da respiração durante o sono compreendem uma série de situações clínicas, que vão desde a apnéia da prematuridade, apnéia da infância, síndrome da morte súbita do lactente, síndromes de hipoventilação (congênitas ou adquiridas) até os distúrbios obstrutivos durante o sono. Face à importância do tema, tanto pela prevalência elevada como pelas crescentes evidências de suas repercussões, principalmente cardiovasculares e neurocognitivas, serão a seguir abordados os distúrbios obstrutivos durante o sono, conjunto também denominado Síndrome da apnéia/hipopnéia obstrutiva da criança (SAHOS).

Definição
SAHOS da criança é um distúrbio da respiração durante o sono que é caracterizado por prolongados períodos de obstrução parcial das vias aéreas superiores e/ ou por episódios intermitentes de obstrução completa das vias aéreas, que interferem na ventilação e nos padrões normais de sono.

Epidemiologia
A SAHOS pode ocorrer em qualquer idade, com uma prevalência estimada de 2%. Tem um pico de prevalência entre 2 a 8 anos de vida, ocasião na qual as tonsilas faríngeas e palatinas são proporcionalmente maiores em relação ao tamanho da via aérea. Dados recentes sugerem que SAOHS tende a ser mais comum em crianças com história familiar de SAOHS, crianças da raça negra e ainda crianças com doenças ou condições clinicas que ocasionem obstrução tanto das vias aéreas superiores como inferiores, em pacientes com malformações craniofaciais, por exemplo.

A tabela 1 apresenta as principais condições associadas a SAHOS em crianças.

Tabela 1- Condições clinicas associadas a SAOHS
1- Síndromes Craniofaciais
   1.1-  Hipoplasia do terço médio da face
           Sindrome de Apert
           Sindrome de Crouzon
           Sindrome de Pfeiffer
           Sindrome de Treacher- Collins
   1.2-  Macroglossia/ glossoptose
           Sindrome de Down
           Sequencia de Pierre Robin
           Sindrome de Beckwith- Wiedman
   1.3- Outras
           Acondroplasia
           Sindrome de Goldenhar
           Sindrome de Marfan

2- Doenças neurológicas
        Paralisia cerebral
        Miastenia gravis
        Sindrome de Möbius
        Malformação de Arnold- Chiari

3- Miscelânea
        Hipertrofia de amigdalas e de adenóide
        Obesidade
        Hipotireioidismo
        Mucopolissacaridose
        Sindrome de Prader- Willi
        Anemia falciforme
        Estenose de coanas
        Laringomalácia
        Estenose subglotica
        Queimaduras de face e pescoço

4- Pós- operatório tardio
        Fenda palatina


Seqüelas
Quando não tratada, a SAHOS pode resultar em sérias morbidades. As conseqüências mais dramáticas, felizmente menos frequentes devido ao reconhecimento mais precoce da síndrome, são o cor pulmonale e o retardo mental. Ganho poderal insuficiente tem sido descrito e, principalmente uma recuperação do crescimento após adenotonsilectomia, o que se deve a redução do trabalho respiratório. Hipertensão pulmonar, disfunção ventricular direita e hipertensão arterial sistêmica também podem ocorrer.
Grande ênfase tem sido dada às repercussões neurocognitivas como dificuldades no aprendizado, problemas comportamentais e ainda déficit de atenção/hiperatividade.

Abordagem diagnóstica
SAHOS na criança caracteriza-se por um continuum que vai desde o ronco primário, entendido como uma situação benigna de ronco sem alterações fisiológicas e complicações; a resistência aumentada das vias aéreas superiores que é um subtipo ou uma variação da SAHOS caracterizada por perodos de aumento da resistência das vias aéreas e de aumento do esforço respiratório durante o sono associado com ronco, fragmentação do sono, sonolência diurna excessiva e redução do desempenho neurocognitivo; hipoventilação obstrutiva onde os achados prévios se associam com hipercapnia até, finalmente, a SAHOS, previamente definida. (Figura 1)
 
Figura 1- Continuum da obstrução das vias aéreas superiores durante o sono na criança

 
Avaliação clínica
A identificação de ronco, apnéias observadas pelos familiares e sono agitado são os principais indicadores da possibilidade de SAHOS. Recomenda-se a inclusão de questões para detalhamento do ronco (freqüência, intensidade, relação com infecções, posição corporal, continuidade, associação com esforço respiratório);  comportamento durante o sono e ao acordar, posição para dormir, ocorrência de enurese; presença de infecções de vias aéreas de repetição, respiração oral, desempenho escolar, labilidade emocional e co-morbidades (síndromes craniofaciais por exemplo).

O exame físico deve identificar a situação pondero-estatural do paciente (lembrando que as crianças com SAHOS tendem a ter um crescimento abaixo do previsto para a idade); avaliar evidências de obstrução crônica das vias aéreas superiores (estigmas do respirador bucal), hipertrofia de tonsilas palatinas (tanto nos diâmetros latero-lateral como antero-posterior); formato craneofaceal (face longa e ovalada, mento estreito e curto, retroposição da mandibula, palato alto e arqueado, palato mole alongada); avaliação cardiológica buscando sinais sugestivos de sobrecarga direita e ainda hipertensão arterial.

Exames complementares
Para a identificação de condições predisponentes recomenda-se a realização de Rx de cavum, em algumas situações, nasofibrolaringoscopia ou fluoroscopia das vias aéras superiores, ressonância magnética cerebral ou tomografia computadorizada na supeita de malformações ou massas no sistema nervoso central.

A polissonografia realizada em laboratório do sono é o exame padrão tanto para o estabelecimento do diagnóstico como para o controle do tratamento, quando indicado. O exame constitui-se em uma monitorização não invasiva de diversos parâmetros durante o sono e deve ser realizada durante sono espontâneo e noturno. Alternativamente e apenas para screening, em lactentes com até 6 meses de vida, pode-se realizar um estudo diurno reduzido (com um tempo recomdendado de 3 a 4 horas de registo).  Os estudos domiciliares com equipamentos portáteis, o registro do ronco com vídeo do paciente durante  o sono, o holter de oximetria durante o sono  são considerados, até o presente momento, de valor limitado para o diagnóstico de SAHOS.

A realização de ecocardiografia com ênfase para as cavidades direitas e identificação de sinais sugestivos de elevação da pressão em artéria pulmonar é sempre recomendada.

Tratamento
Diferentemente do adulto, o tratamento da SAHOS na criança, uma vez identificada a presença de hipertrofia de adenóide e/ou amigdalas, é cirurgico.
Outras alternativas de tratamento estão apresentadas na tabela 2.

Tabela 2  Opções de tratamento para a SAHOS na criança

Manejo clínico
Tratamento de rinite
Pressão continua positiva na via aérea não invasiva- Cpap ou bilevel
Perda de peso para os pacientes obesos

Tratamento cirúrgico
Adenoamigdalectomia
Cirurgias ortognáticas (nas crianças com malformações craneofaciais)
Traqueostomia em casos individualizados

 
(*) Médica do laboratório do sono do Hospital de Clínicas de Porto Alegre
    Doutora em Pneumologia pela UFRGS
    Professora do Programa de Pós-graduação em Ciências Pneumológicas da UFRGS

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