quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Hérnia Inguinal e Hidrocele na Idade Pediátrica


José Carlos Fraga¹
Guilherme Eckert Peterson ²

Definição:
Hérnia inguinal: saída de víscera ou conteúdo do abdômen através da persistência do conduto peritônio-vaginal (indireta), canal femural (femural) ou defeito da parede muscular (direta).
Hidrocele: acúmulo de líquido peritonial dentro da túnica vaginal. Pode ser não-comunicante onde há somente líquido residual, ou comunicante onde persistência do conduto peritônio-vaginal.

Epidemiologia:
  • Prevalência: 0,8 a 4,4% de todas as crianças desenvolverão hérnia inguinal. A incidência de hérnia inguinal varia de acordo com a idade gestacional ao nascimento: 10 a 30 % dos prematuros e 3 a 5 % dos Rn a termo apresentarão hérnia inguinal.
  • As doenças mais comumente associadas à hérnia inguinal na idade pediátrica são: criptorquidia, defeitos da parede abdominal, desordens do tecido conetivo (síndrome de Ehlers-Danlos), mucopolissacaridose (especialmente síndromes de Hunter e Hurler), fibrose cística, ascite, diálise peritoneal, derivação ventrículo-peritoneal, deslocamento congênito do quadril e meningomielocele.  
  • Mais comum em meninos do que em meninas (6-8 : 1)
  • Quanto ao lado, a hérnia inguinal pode ocorrer no lado direito (60%), esquerdo (30%) e ser bilateral (10%)
  • A maioria das hérnias inguinais na criança é do tipo indireta; raramente elas podem ser diretas (0,5%) ou do tipo femural (0,2%).
  • Encarceramento é a complicação mais frequente da hérnia inguinal, ocorrendo em 15% das crianças com hérnia. A complicação mais comum do encarceramento no menino é a lesão vascular do testículo, que pode ocasionar atrofia testicular.

Quadro clínico:
Os pais ou responsáveis buscam atendimento por abaulamento na região inguino-escrotal, geralmente aos esforços, facilmente redutível. Manobras que aumentem a pressão intra-abdominal (soprar balão, posição em pé) podem evidenciar o abaulamento inguinal; a palpação de espessamento do cordão espermático (sinal da seda de Gross) nem sempre é diagnóstico, pois espessamentos no cordão também podem ocorrer por gordura no cordão espermático. Se não houver sinais de hérnia inguinal, o paciente deve ser avaliado novamente em outra ocasião, para evitar uma exploração inguinal negativa. O diagnóstico diferencial inclui testículo retrátil, linfadenomegalia inguinal, hidrocele e gordura pré-púbica. Em crianças maiores, neoplasia também deve ser considerada.
Na hidrocele é importante a realização de transiluminação da bolsa escrotal, para confirmar o diagnóstico e descartar a presença de tumores sólidos que possam ser a causa do acúmulo de líquido, especialmente quando ocorrer de forma abrupta, sem nunca ter sido notada previamente. Quando a hidrocele reduz de volume durante o exame clínico, ela é denominada de comunicante. Quando ela não reduz, em geral é do tipo não-comunicante, mas pode ainda haver pequena comunicação que ainda é imperceptível ao exame.

Tratamento:
A indicação é de correção cirúrgica no momento do diagnóstico. As exceções são a hidrocele não-comunicante onde o líquido pode ser reabsorvido espontaneamente em até 18-24 meses de idade, quando a criança apresenta alguma doença aguda intercorrente que impeça a cirurgia e os recém-nascidos internados com menos de 2 kg. No recém-nascido internado, a cirurgia deve ser realizada antes da alta hospitalar, para evitar nova internação para a cirurgia e o risco de encarceramento. A cirurgia deve ser realizada de urgência quando não for possível redução de uma hérnia encarcerada; a cirurgia deve ser apressada em crianças com redução de hérnia encarcerada (risco de novo encarceramento de 40%), e nas meninas quando houver ovário encarcerado dentro do saco herniário. Apesar de ser considerada uma cirurgia ambulatorial, nos recém-nascidos que ainda não completaram 46 semanas pós-concepção, opta-se por mantê-los internados por 24 horas, devido ao risco aumentado de apnéia no pós-operatório.
A correção cirúrgica é realizada através de uma inguinotomia, onde é realizada a ligadura alta do saco herniário.  Em crianças com hidrocele comunicante, deve-se também abrir o conduto peritônio-vaginal distal e a túnica vaginal, com drenagem do líquido de hidrocele.
Embora a exploração contra-lateral da hérnia inguinal não deva ser realizada como rotina, ainda há controvérsia de quando realizá-la. Existem algumas situações em que a indicação é justificada, como nas meninas, nos pacientes com aumento da pressão abdominal, nos prematuros, nos pacientes com risco anestésico aumentado e naqueles com doenças hematológicas.
A taxa de recorrência da hérnia inguinal após a correção cirúrgica é baixa (1%), e geralmente está relacionada à prematuriadade, encarceramento, distúrbios do colágeno ou ma técnica operatória.

¹ Professor Associado de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFRGS. Chefe do Serviço de Cirurgia Pediátrica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).
² Médico residente de 3º ano do Serviço de Cirurgia Pediátrica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).

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