terça-feira, 17 de abril de 2012

Bronquiolite Viral Aguda (BVA)


Elenara da Fonseca Andrade Procianoy, MD
Pneumologia Pediátrica

BVA é uma doença de etiologia viral, com características sazonais (outono, inverno e início da primavera) e que acomete as vias aéreas inferiores de crianças menores de 2 anos. Os sintomas iniciam nas vias aéreas superiores (coriza hialina, tosse e febre) e progridem ao longo de 2 a 4 dias para tosse, sibilância, taquipnéia e graus variáveis de disfunção respiratória. Estes sintomas refletem a disseminação do vírus da nasofaringe para o epitélio bronquiolar, causando uma reação inflamatória linfocítica peribronquiolar com necrose do epitélio, edema da submucosa e descamação celular. Em decorrência da diminuição do clearence pulmonar ocorre acúmulo de muco e de restos celulares com obstrução da via aérea distal, o que repercute clinicamente como presença de sibilos e/ou crepitantes, hiperinsuflação ou formação de áreas de atelectasia pulmonar.
                              Vários vírus estão envolvidos na etiologia da BVA isolados ou em infecções mistas. Durante o período epidêmico o Vírus Sincicial Respiratório (VSR) é o principal agente da BVA (em torno de 80% a 90% dos casos).  Demais agentes envolvidos são vírus influenza, parainfluenza, adenovirus, rinovirus, metapneumovírus e coronavírus, os quais costumam aparecer ao longo de todo o ano. Acredita-se que nas regiões temperadas e frias 100% das crianças tiveram contato com o VSR até completar o segundo ano de vida e cerca de um terço delas apresentarão infecção respiratória inferior. Presença de infecções mistas é descrita em 6% a 30% das amostras de crianças hospitalizadas. A associação mais frequente encontrada é entre VSR e metapneumovirus ou rinovirus. O papel das infecções mistas sobre a gravidade da BVA é ainda controverso. As infecções pelos vírus não garantem imunidade permanente ou prolongada e as reinfecções são comuns durante uma mesma estação, levando a um aumento expressivo das consultas médicas nos consultórios e emergências pediátricas durante os meses de inverno e inicio da primavera.
                              BVA é a causa mais comum de infecção do trato respiratório inferior e principal causa de hospitalização de crianças menores de 2 anos de idade. A evolução da BVA é geralmente benigna. Estima-se que 1 a 3% dos lactentes com BVA necessita de internação hospitalar. Entre os lactentes internados 5 a 15% serão admitidos em UTIP com uma razoável parcela necessitando de suporte ventilatório. Nos últimos anos, observou-se um grande declínio na mortalidade dos lactentes com BVA submetidos a VM, situando-se hoje entre 1 e 8%.
                              O diagnóstico da BVA é clínico e baseado na anamnese e no exame físico. A freqüência respiratória em geral está aumentada e podem estar presentes sinais de sofrimento respiratório como gemido, batimento de asas do nariz e retrações intercostais e/ou subcostal e cianose. A febre pode estar ausente ou ser baixa; febre mais alta pode corresponder à pneumonia associada, embora febre tão alta quanto 40ºC possa ser encontrada em alguns casos de BVA. Apnéia pode ser o sintoma inicial em lactentes muito jovens, prematuros ou lactentes de peso muito baixo, especialmente nos casos por VSR.
                              O curso clínico da maioria dos casos de BVA é benigno e auto-limitado com resolução dos sintomas em menos de 2 semanas. Entretanto, alguns casos podem ter um curso clínico mais protraído, com duração média da doença de 15 dias a 21 dias.                                                 Fatores de risco associados a BVA grave incluem a idade menor de 12 semanas, prematuridade, doença cardíaca congênita, doença pulmonar crônica por displasia pulmonar ou anomalias congênitas do aparelho respiratório, imunodeficiência congênita ou adquirida, fibrose cística e desnutrição. Mais recentemente, estudos sobre a presença de polimorfismos em genes associados a resposta imune e remodelamento da via aérea tem sido associada a BVA grave. Fatores ambientais como presença de tabagismo, especialmente da mãe, presença de irmãos em idade escolar ou em creches, aglomeração intra-domiciliar e pobreza também são associados a maior gravidade.
                              Sinais clínicos que sugerem bronquiolite grave e necessidade de internação hospitalar são: dificuldade para ingestão oral (menos de 50% da ingesta hídrica usual nas 24 horas antecedentes), letargia, história de apnéia, freqüência respiratória maior que 70 mpm, presença de batimento nasal e/ou gemido, tiragem grave, cianose e saturação de oxigênio < 90%.
                              Exames radiológicos e laboratoriais não são indicados de rotina e devem ser reservados na suspeita de comorbidades, complicação associada ou dúvida diagnóstica. Os achados no RX de tórax são variáveis e inespecíficos e incluem: hiperinsuflação, infiltrado intersticial, espessamento peribrônquico e atelectasias sub ou segmentares. Aparentemente, as alterações presentes no RX de tórax não estão associadas com a gravidade e podem induzir ao uso inadequado de antibióticos.
                              Testes de identificação viral têm sensibilidade e especificidade variáveis conforme o momento epidemiológico. Seu valor preditivo é geralmente bom durante o pico da estação e vai diminuindo gradativamente. Tem maior importância para as medidas de isolamento de pacientes internados, uma vez que o curso clínico é similar para a maioria dos vírus que causam BVA.
                              O tratamento da BVA é sintomático. As melhores práticas clínicas recomendam cuidados de suporte como o principal tratamento da BVA. Estes cuidados incluem: oxigenação adequada, manutenção da via nasal por higiene e aspiração, e manutenção da ingesta hídrica e alimentar. Lactentes que apresentam bronquiolite leve e sem fatores de risco podem ser liberados para tratamento domiciliar. Deve-se orientar higiene nasal freqüente com soluções nasais infantis, sem vasoconstritor, seguido de aspiração com pêra de aspiração nasal, se necessário. Manter a alimentação usual para idade, especialmente o leite materno. Usar antitérmicos se febre. Lactentes com bronquiolite mais grave ou de risco podem ser atendidos na sala de emergência e hospitalizados conforme a evolução. Higiene nasal com aspirações freqüentes, manutenção de oxigenação adequada e das necessidades hídricas e nutricionais são medidas de suporte fundamentais para o conforto do paciente. Oxigênio suplementar deve ser instalado se a saturação transcutânea da hemoglobina (SatHb) for persistentemente inferior a 90% ou surgirem sinais de insuficiência respiratória. A SatHb deve ser mantida acima de 90%. Oxigenioterapia pode ser descontinuada caso a SatHb mantenha-se maior ou igual a 90% em ar ambiente, a criança esteja se alimentando bem e tenha mínimos sinais de desconforto respiratório. Insuficiência respiratória grave requer suporte ventilatório em unidade de tratamento intensivo.
               Uso de antibióticos não é recomendado de rotina, pois infecção bacteriana raramente acompanha a BVA e seu uso não influencia o curso da doença.
                              Vários estudos com broncodilatadores têm sido realizados na tentativa de diminuir a gravidade ou a hospitalização por bronquiolite, mas o que se sabe até o momento é que os benefícios demonstrados atingem um pequeno percentual dos lactentes com bronquiolite. As recomendações atuais não indicam seu uso de rotina, porém reiteram que um teste terapêutico pode ser realizado em pacientes com antecedentes pessoais ou familiares de atopia e mantido caso tenha se mostrado benéfico. Parâmetros para avaliar a efetividade do broncodilatador incluem melhora na sibilância, freqüência respiratória, esforço respiratório e SatHb. Na ausência de melhora clinica o tratamento deve ser suspenso. As evidências atuais favorecem o uso de adrenalina por nebulização em salas de emergência, devido aos resultados de dois grandes estudos de impacto no Canadá e Estados Unidos. Os resultados mostraram que a adrenalina por nebulização (adrenalina 1:1000,  3ml por nebulização, 2x, 20/20 minutos) no 1ª dia de tratamento da BVA moderada a grave reduziu a admissão hospitalar em 33% dos casos, quando comparado com placebo e que quando associada a dexametasona oral reduziu a hospitalização em 35% entre os dias 1 e 7 de doença. Entretanto, estes resultados necessitam ser confirmados e o perfil de segurança das drogas melhor estabelecido até que se indique o tratamento como rotina. Devido a falta de estudos, curta duração de ação e potenciais efeitos adversos a adrenalina não deve ser usada a nível domiciliar e o salbutamol pode ser o broncodilatador escolhido para teste em consultório, com observação e reavaliação por até 2 horas após sua administração.
               O uso de corticoterapia sistêmica ou inalatória nos casos de bronquiolite continua não sendo indicado de rotina. Vários estudos não encontraram impacto clínico significativo, embora ainda permaneça a dúvida se pacientes com antecedentes de atopia se beneficiam com o tratamento.
                              O uso de solução salina por nebulização com oxigênio parece ser o único tratamento que mostra benefícios para os pacientes com BVA durante a internação, com redução do tempo de internação nos pacientes hospitalizados por bronquiolite e dos escores clínicos de gravidade nos primeiros três dias de tratamento. Estes resultados positivos devem ser encarados com cuidado, sendo necessários mais estudos envolvendo um número maior de pacientes. Questões quanto à melhor concentração da solução salina a ser empregada, volume da solução, freqüência das nebulizações e duração do tratamento permanecem em aberto. Três estudos utilizaram nebulizações com 4ml de SS3% cada 8 horas e dois estudos nebulização cada 2 horas por 3 doses, cada 4 horas por 5 doses e cada 6 horas ate a alta hospitalar.
                              Anti-virais como a ribavirina não estão indicados de rotina pelo seu alto custo e toxicidade, embora alguns centros o utilizem para os casos graves e em imunodeprimidos   
                              Novos medicamentos como o DNAse e anti-leucotriênios já foram utilizados, mas os resultados não mostraram benefícios.

              
                


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