segunda-feira, 23 de abril de 2012

Hipotermia Terapeutica


Renato S. Procianoy *

INTRODUÇÃO
A técnica de hipotermia tem sido utilizada na última década como um tratamento adjuvante nos recém-nascidos com idade gestacional igual ou maior que 35 semanas de idade gestacional com encefalopatia hipóxico-isquêmica.
Há pelo menos 10 estudos clínicos randomizados descritos na literatura que sugerem uma diminuição na mortalidade e na ocorrência de disabilidades neurológicas graves nos pacientes com encefalopatia hipóxico-isquêmica tratados com a técnica de hipotermia (1-10). Em quatro destes estudos clínicos randomizados, o número de pacientes envolvidos foi superior a 200 (1,2,5,10).
Estudo de meta-análise dos resultados destes estudos mostrou que diminui em 19% o risco de morte e/ou acometimento neurológico aos dois anos de idade e aumenta a sobrevida sem paralisia cerebral em 53% (11). Resultados semelhantes tem sido mostrado nos pacientes acompanhados até 5 e 7 anos de idade que foram submetidos à hipotermia terapêutica (12).
Desta forma, na recente atualização do programa de reanimação neonatal, há uma recomendação formal de uso de hipotermia terapêutica no tratamento precoce do recém-nascido com idade gestacional igual ou maior que 35 semanas com encefalopatia hipóxico-isquêmica.

MECANISMO DE AÇÃO
A lesão cerebral secundária à hipóxia-isquemia se dá em duas fases separadas por um breve período de latência. Na primeira fase, quando há a fase aguda de hipóxia e isquemia, ocorre necrose neuronal por deprivação de oxigênio. Após a reanimação e a reperfusão do Sistema Nervoso Central há um breve período de latência que não dura mais que 6 horas, seguido pela fase tardia que se caracteriza pela apoptose neuronal. Essa fase tardia dura por vários dias e a sua intensidade será a maior responsável pelo neurodesenvolvimento futuro deste recém-nascido.
Sugere-se que a hipotermia aplicada no período de latência, portanto, nas primeiras seis horas inibe os mecanismos de lesão do Sistema Nervoso Central decorrentes da fase tardia da encefalopatia hipóxico-isquêmica (13,14).

MODO DE FAZER
Existem duas formas de aplicar a hipotermia terapêutica: de corpo inteiro ou seletivo da cabeça. Ambas apresentam resultados satisfatórios.
Em nosso meio temos utilizado a hipotermia de corpo inteiro. A seguir descrevemos o protocolo utilizado:

Indicação:
Preencher ambos os critérios:
1.Evidência de asfixia perinatal:
gasometria arterial de sangue de cordão ou na primeira hora de vida com pH <7,0 ou BE<-16
ou história de evento agudo perinatal (descolamento abrupto de placenta, prolapso de cordão)
ou escore de Apgar de 5 ou menos no 10º minuto de vida
ou necessidade de ventilação além do décimo minuto de vida
e
2. Evidência de encefalopatia moderada a severa antes de 6 horas de vida: convulsão, nível de consciência, atividade espontânea, postura, tônus, reflexos e sistema autonômico.

Contra-indicação:
Idade gestacional menor que 35 semanas e 0/7 dias
Peso de nascimento menor que 1800 gramas

Procedimento:
Esfriamento:
Pré-esfriar o colchão a 4ºC
Amaciar o termômetro em água morna
Colocar o recém-nascido num berço desligado
Colocar o termômetro no esôfago
Ajustar a temperatura do paciente em 33,5ºC
Colocar um lençol entre o colchão e o paciente
Movimentar o paciente a cada 2 horas para evitar lesão cutânea
Tempo total de tratamento é 72 horas

Reaquecimento:
Após 72 horas o paciente é lentamente aquecido
Aumentar a temperatura corpórea 0,5ºC por hora até chegar até 36,5ºC temperatura corpórea
Sinais vitais a cada 30 minutos durante o reaquecimento
Após o paciente alcançar a temperatura de 36,5ºC, retirar o colchão e reposicionar o paciente na incubadora.

Monitorização:
Temperatura do colchão, pele e esofagiana deve ser monitorizada a cada hora nas primeiras 12 hora e depois de 4 em 4 horas
Monitorização cardíaca, saturação e PAM invasiva
Sinais vitais a cada 15 minutos por 4 horas, a cada hora por 8 horas e cada 2 horas até o final do esfriamento.
Monitorização da diurese
Glicose, uréia, creatinina, cálcio, magnésio, TP, KTTP, TGO, TGP e eletrólitos no início, Glicose, uréia, creatinina, cálcio, magnésio, TP, KTTP e eletrólitos com 24, 48 e 72 horas após o início da hipotermia. Esses pacientes tem risco para hiponatremia. É recomendável manter o sódio sérico no limite superior
Gasometria arterial no início, 24, 48 e 72 horas
Hemograma e plaquetas no início, 24,48 e 72 horas. Manter as plaquetas acima de 50.000
Controlar a ingesta e a excreta

Prescrição básica
PICC, Cateter de artéria umbilical e veia umbilical.
NPO
Ingesta hídrica 50 ml/kg/dia TIG 5 mg/kg/min com 1 g/kg aminoácido no primeiro dia e aumentar 1 g/kg/dia se a criança estiver urinando e a acidose estiver melhor
Morfina EV contínua na dose 5 a 10 mcg/kg/hora
Ampicilina e gentamicina (se necessário) em doses habituais
Drogas vasoativas em caso de necessidade em doses habituais

CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES
1. Para o uso de hipotermia terapêutica não há necessidade do paciente estar em ventilação mecânica
2. Hipertensão pulmonar e uso de óxido nítrico inalatório não são contra-indicações para o uso de hipotermia terapêutica
3. Bradicardia com freqüência cardíaca entre 80 e 100 bpm é comum e não necessita tratamento
4. Se o paciente apresentar hipotensão arterial deve se fazer uso de drogas inotrópicas
5. O uso de antibióticos é indicado no caso de haver diagnóstico de infecção neonatal
6. Se houver plaquetopenia (<50.000/mm3) deve fazer transfusão de concentrado de plaquetas.
7. O reaquecimento tem que ser lento. Podem surgir crises convulsivas durante o procedimento de hipotermia e principalmente no processo de reaquecimento. Em caso de crises convulsivas, o paciente deve ser tratado com drogas anticonvulsivantes, inicialmente, com fenobarbital: dose de ataque de 20 mg/kg EV e manutenção de 5 mg/kg/dia em duas doses diárias.

BIBLIOGRAFIA
1. Azzopardi DV, Strohm B, Edwards AD, Dyet L, Halliday HL, Juszczak E, et al. Moderate hypothermia to treat perinatal asphyxial encephalopathy. N Engl J Med 2009;361:1349-58.
2. Gluckman PD, Wyatt JS, Azzopardi D, Ballard R, Edwards AD, Ferriero DM, et al. Selective head cooling with mild systemic hypothermia after neonatal encephalopathy: multicentre randomised trial. Lancet 2005;365:663-70.
3. Eicher DJ, Wagner CL, Katikaneni LP, Hulsey TC, Bass WT, Kaufman DA, et al. Moderate hypothermia in neonatal encephalopathy: efficacy outcomes. Pediatr Neurol 2005;32:11-7.
4. Shankaran S, Laptook A, Wright LL, Ehrenkranz RA, Donovan EF, Fanaroff AA, et al. Whole-body hypothermia for neonatal encephalopathy: animal observations as a basis for a randomized, controlled pilot study in term infants. Pediatrics 2002;110:377-85.
5. Shankaran S, Laptook AR, Ehrenkranz RA, Tyson JE, McDonald SA, Donovan EF, et al. Whole-body hypothermia for neonates with hypoxic-ischemic encephalopathy. N Engl J Med 2005;353:1574-84.
6. Robertson NJ, Nakakeeto M, Hagmann C, Cowan FM, Acolet D, Iwata O, et al. Therapeutic hypothermia for birth asphyxia in low-resource settings: a pilot randomised controlled trial. Lancet 2008;372:801-3.
7. Simbruner G, Mittal RA, Rohlmann F, Muche R, neo.nEURO.network Trial participants. Systemic hypothermia after neonatal encephalopathy: outcomes of neo.nEURO.network RCT. Pediatrics 2010; 126:e771-e778.

8. Lin ZL, Yu HM, Lin J, Chen SQ, Liang ZQ, Zhang ZY. Mild hypothermia via selective head cooling as neuroprotective therapy in term neonates with perinatal asphyxia: an experience from a single neonatal intensive care unit. J Perinatol. 2006;26:180-4.

9. Akisu M, Huseyinov A, Yalaz M, Cetin H, Kultursay N. Selective head cooling with hypothermia suppresses the generation of platelet-activating factor in cerebrospinal fluid of newborn infants with perinatal asphyxia. Prostaglandins Leukot Essent Fatty Acids. 2003 ; 69:45-50.

10. Jacobs SE, Morley CJ, Inder TE, Stewart MJ, Smith KR, McNamara PJ, et al. Whole-body hypothermia for term and near-term newborns with hypoxic-ischemic encephalopathy: a randomized controlled trial. Arch Pediatr Adolesc Med. 2011;165:692-700.

11. Edwards AD, Brocklehurst P, Gunn AJ, Halliday H, Juszczak E, Levene M, et al. Neurological outcomes at 18 months of age after moderate hypothermia for perinatal hypoxic ischaemic encephalopathy: synthesis and meta-analysis of trial data. BMJ. 2010; 340:c363.

12. Shankaran S. Do Neuroprotective Effects of Whole Body Hypothermia for Neonatal Hypoxic-Ischemic Encephalopathy Persist to Childhood?apresentado no 2011 PAS meeting em Denver, USA

13. Pfister RH, Soll RF. Hypothermia for the treatment of infants with hypoxic-ischemic encephalopathy. J Perinatol. 2010;30 Suppl:S82-7.

14. Higgins RD, Raju T, Edwards AD, Azzopardi DV, Bose CL, Clark RH, et al. Hypothermia and other treatment options for neonatal encephalopathy: an executive summary of the Eunice Kennedy Shriver NICHD workshop. J Pediatr. 2011;159:851-858.e1.

* Prof. Titular de Pediatria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Chefe do Serviço de Neonatologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre
Presidente do Departamento de Neonatologia da SBP

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