quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Hepatite Autoimune

Cristina Helena Targa Ferreira

A hepatite autoimune (HAI) é uma doença crônica, que se caracteriza pela presença de dados clínicos, bioquímicos, sorológicos e histológicos que sugerem reação imunológica contra antígenos do hospedeiro (no caso, os hepatócitos do paciente), determinando lesões celulares irreversíveis. A prevalência da doença é desconhecida, mas, na infância, é considerada uma  entidade rara.

Várias alterações imunológicas parecem ser desencadeadas ou responsáveis pela perpetuação da lesão hepática na HAI.  O infiltrado inflamatório é constituído por plasmócitos e por linfócitos T, em geral CD4+, principalmente encontrados em espaços portais e periportais, que traduzem uma resposta imunológica responsável pelo dano hepático.

A classificação da HAI é baseada no encontro de certos autoanticorpos não-órgão específicos:
1. Tipo1 (HAI-1) - positividade para o anticorpo antimúsculo liso (AAML), particularmente para anticorpo antiactina (AAA), associado ou não a anticorpos antinucleares (AAN). 

2. Tipo 2 (HAI-2) -  positividade para anticorpo antimicrossomal fígado-rim-1 (AAMFR-1 ou anti-LKM). 

A HAI acomete ambos os sexos, com maior predomínio no sexo feminino, em diversos grupos étnicos. As manifestações clínicas são heterogêneas, sendo frequente iniciar na infância ou na adolescência e no adulto jovem.  Em geral, os sintomas são compatíveis com uma hepatite aguda, com febre, icterícia, colúria, hipo ou acolia, náuseas, vômitos. O curso da doença pode ser persistente ou recorrente, com períodos de doença subclínica em ambos os tipos, mas com a função bioquímica  quase sempre alterada.  O início da doença na HAI-2 pode ocorrer em idade mais jovem, inclusive em lactentes. Não há diferenças quanto aos sintomas entre os diferentes tipos de HAI. Muitas vezes, quando os sintomas reaparecem, as manifestações podem ser decorrentes de complicações de cirrose hepática com hipertensão portal, como ascite, sangramentos gastrointestinais e insuficiência hepática. Raramente, os pacientes são assintomáticos, apresentando achados ocasionais, como alteração dos exames bioquímicos de função hepática. Pode ocorrer quadro clínico insidioso, mas é menos frequente na infância, com relato de cansaço aos mínimos esforços, astenia, emagrecimento, anorexia, febre, mialgia, icterícia discreta, colúria e aumento do volume abdominal. Às vezes, a forma de apresentação é  de falência hepática ( hepatite fulminante), sendo mais comum na HAI tipo 2.  Manifestações extra-hepáticas de autoimunidade podem estar presentes desde o início do diagnóstico ou surgirem no decorrer do tratamento, como tireoidite, diabetes mellitus tipo 1, glomerulopatias, artrites, psoríase, doença inflamatória intestinal, anemia hemolítica autoimune, poliarterite nodosa. Na história do paciente é comum ocorrer doenças autoimunes em familiares de 1º e 2º  grau, como doenças tireoidianas, artrite reumatóide, vitiligo e psoríase.

Os achados laboratoriais mostram aumentos significativos de AST(TGO) e de ALT(TGP), em níveis compatíveis com de uma hepatite aguda (>1.000U/L). Os níveis de GGT e de fosfatase alcalina podem estar aumentados, assim como a de bilirrubina total , à custa da fração direta, a não ser nas formas insidiosas e prolongadas nas quais esses testes podem estar normais ou discretamente elevados. O valor da albumina sérica em geral está diminuído, com hipergamaglobulina acima de 2g/dL. Níveis elevados de IgG são muito frequentes, podendo ocorrer diminuição da  IGA na HAI-2 e concentrações  baixas de C3 e C4 em ambos os tipos.

A positividade dos autoanticorpos é essencial para o diagnóstico. Para o AAN, considera-se positivo quando os títulos forem maiores ou iguais a 1/80. Para o AAML, considera-se positivo, quando os títulos forem maiores ou iguais a 1/80. Para AAMFR1 ou LKM  títulos acima de 1/20 são considerados positivos.  Os anticorpos antimitocondriais (AM), marcadores sensíveis e específicos da cirrose biliar primária, podem estar presentes em 10 a 30% dos casos de HAI. Em geral, não há presença de AAML e AAMFR1 num mesmo paciente. Outros anticorpos podem ser encontrados como fator reumatóide, Coombs, ANCA.   Raramente há ausência de autoanticorpos.

Os marcadores sorológicos para Hepatite A (IgM), para hepatite B  anti-HBc–IgM , AgHBs , para Hepatite C com o teste PCR- Vírus da Hepatite C, sorologia para citomegalovírus IgM  e IgM para Vírus Epstein Baar  são negativos.

A biópsia hepática deve ser realizada assim que possível. Os achados histológicos mostram: infiltrado inflamatório nos espaços portais, peri-portais e intra-lobulares, composto por linfócitos, plasmócitos e às vezes por polimorfonucleares neutrófilos e eosinófilos, caracterizando a hepatite por interface; presença de necrose em sacabocados; rosetas de hepatócitos, alargamento dos espaços portais por fibrose; ausência de lesões biliares; pode haver desarranjo da arquitetura lobular caracterizando cirrose hepática.

O tratamento baseia-se na utilização de prednisona (ou prednisolona), como monoterapia ou associada a azatioprina em todos os pacientes com ou sem cirrose hepática.

Então, a HAI se caracteriza por alterações de função hepática em meninas (mais frequentemente adolescentes ou pré), com hipergamaglobulinemia e infiltrado linfocítico na biópsia. Pode ocorrer após uma hepatite aguda (A) , como um quadro prolongado.

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