segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Revisando a Toxoplasmose Congênita

Clarissa Gutierrez Carvalho

O protozoário pode ser adquirido pela comida, agua ou solo contaminado com os oocistos, ou pela ingestão de cistos na carne malcozida. A infecção congênita, por sua vez, ocorre através da transmissão placentária, com um período de incubação até infectar o feto que pode variar de 4 a 16 semanas. O risco de INFECÇÃO aumenta com a idade gestacional, mas a GRAVIDADE da doença é o inverso – os fetos infectados no segundo e terceiro trimestre têm doença leve ou subclínica.

Após a infecção materna, os anticorpos IgG são detectados em 2 semanas, com pico entre 3 e 6 meses, e títulos que mais baixos no decorrer da vida – os valores de interesse serão dependentes do método laboratorial escolhido ou disponível.  O IgM surge dentro de 2 semanas, com pico em 1 mês e declínio até ser indetectável aos 6-9 meses – contudo, o IgM pode persistir por mais de 1 ano sem indicar necessariamente infecção aguda. O teste de avidez para IgG, quando indica alta avidez, reflete infecção ocorrida há mais de 12 a 16 semanas, sendo mais útil no início da gestação. O PCR no líquido amniótico é recomendado para diagnosticar a infecção fetal, é realizada após 18 semanas de IG, mas sua sensibilidade é bastante variável, portanto um teste negativo não exclui. A espiramicina é usada como medicamento de profilaxia na mãe, e no caso de infecção comprovada ou muito suspeita no feto, o esquema passa a ser pirimetamina, sufadiazina e ácido folínico.

A tríade clássica hidrocefalia, calcificações cerebrais e coriorretinite é incomum. A doença neonatal sintomática pode ser generalizada, com febre, icterícia com predomínio de bilirrubina direta, hepatoesplenomegalia, plaquetopenia, anemia, rash maculopapular, e anormalidades do SNC – hidrocefalia, microcefalia, convulsões, calcificações cerebrais, anormalidades liquóricas e coriorretinite, além de casos raros de hidropsia, miocardite, pneumonite e síndrome nefrítica. Em prematuros, essas manifestações podem ocorrer mais tardiamente, no decorrer dos três primeiros meses. Como em até 90% dos bebês NÃO há nenhuma manifestação evidente ao nascimento, é imperioso investigar o sistema nervoso central e o fundo de olho, pois já pode haver alterações – a maioria dos serviços utiliza, como triagem, avaliação oftalmológica, ultrassonografia transfontanelar e a coleta de sorologias. Uma doença não diagnosticada precocemente pode resultar em coriorretinite ou manifestações neurológicas (convulsões e obstrução liquorica) na infância tardia e adolescência.

Quanto às sorologias do RN: IgG surge em até 2 semanas, com pico em 1 mês e persistindo por toda vida (sendo que o IgG materno transplacentário desaparece entre 6 e 12 meses), e o IgM, que será do RN mesmo mas muitas vezes não estará presente ao nascimento. Assim, como muitas vezes o diagnóstico será incerto nos primeiros dias de vida, deve-se realizar dosagem mensal do IgG, acompanhando redução ou elevação dos níveis.

Faz parte da investigação a coleta de hemograma, creatinina, ácido úrico, função hepática e G6PD (diante da possibilidade de usar sulfadiazina). O líquor apresenta celularidade aumentada, com predomínio de mononucleares, proteína elevada, de preferência com dosagem de IgM e IgG liquóricos, além de PCR.  Avaliações oftalmológicas são recomendadas a cada 3 meses até os 18 meses, e então anualmente.
Frequentemente ocorrem dúvidas, como em bebês assintomáticos: mãe com IgM positivo, PCR negativo, títulos estáveis de IgG na gestação, exames de triagem normais, com IgM do RN negativa, IgG menor ou igual ao materno, NÃO iniciar tratamento e repetir títulos em 30 dias – se aumentar, iniciar tratamento, se reduzir ou mantiver igual, manter acompanhamento a cada 2 meses até negativar. Já os bebês assintomáticos com infecção comprovada, solicitar também TC crâneo e líquor, iniciando o tratamento, mesmo com sorologias normais. Em casos individuais inconclusivos, pode-se iniciar o tratamento e reavaliar em 1 mês. 

O tratamento consiste no uso da sulfadiazina na dose de 100mg/kg/dia de 12/12h no período de um ano, junto com a pirimetamina 1mg/kg/dia dose única durante 2 a 6 meses seguidos de usos 3x por semana, até um ano, e ácido folínico 5mg 3x semana, com aumento para 10mg após 1mês ou 4,5kg, ajustado conforme a contagem de neutrófilos. Não confundir com ácido fólico, que não tem função aqui. A predinosolona 1mg/kg/dia em duas doses diárias é prescrita se houver coriorretinite em atividade com risco de perda visual ou proteinorraquia ≥1000mg/dL no neonato, até melhora do processo inflamatório. Crianças em uso de medicação devem ser avaliadas com hemograma a cada semana nos primeiros 2 meses, devido a risco de anemia, neutropenia e plaquetopenia.

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